Carlos Zuma defende o debate em torno da “Lei da Palmada” e analisa o momento de transição dos modelos de educação dos filhos
Com a criação do Projeto de Lei 7672, que proíbe os pais de castigarem fisicamente os filhos, abriu-se uma discussão que parece ser interminável na sociedade: afinal, é tão maléfico assim dar umas palmadas ou beliscões nos filhos? Na semana passada, a terapeuta infantil Denise Dias, autora do livro “Tapa na Bunda – Como impor limites e estabelecer um relacionamento sadio com as crianças em temos politicamente corretos” (Editora Matrix), concedeu uma entrevista ao Delas defendendo o uso do que se costumou chamar de “palmada pedagógica”. Mas para o psicólogo e terapeuta familiar Carlos Zuma, esse está longe de ser o melhor caminho.
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Carlos é secretário executivo do Instituto Noos, organização sem fins lucrativos que visa promover a saúde dos relacionamentos familiares e comunitários, e membro da Secretaria Executiva da Rede “Não Bata, Eduque”. Segundo ele, a violência contra as crianças – por mais que seja um puxão de orelha de leve – não possui nenhuma utilidade benéfica. Pelo contrário: pode deixá-la traumatizada ou ensiná-la que é assim que se faz. “Muitas pessoas estão no automático, repetindo modelos que eles mesmos condenavam”, diz. Confira entrevista com ele.
iG: O que você acha do Projeto de Lei que proíbe castigos físicos, como beliscões e palmadas, para “corrigir” os filhos?
Carlos Zuma: Eu apoio a lei. Mas acho que o melhor ângulo de vê-la não é pela proibição do castigo em si. Prefiro defini-la como uma lei que garante o direito das crianças de serem educadas sem o uso de castigos corporais e tratamentos degradantes. Pelo direito que têm de serem educadas sem apanhar, sem serem humilhadas. Esse é o ângulo pelo qual prefiro vê-la. Uma lei é importante para dar parâmetros de comportamento e para os juízes poderem julgar os casos com base em uma legislação clara. Se isso não acontece, só lhes restam interpretações subjetivas e questões sobre qual o limite entre o mau trato e a boa educação. A lei é importante, portanto, para que não haja subjetividade.
iG: Você acredita que a lei pode ser mesmo efetiva?
Carlos Zuma: Não acredito que uma lei sozinha irá mudar comportamentos já arraigados em nossa cultura. Eu acredito que pode mudar, mas a lei sozinha não funciona: todo o debate em torno dela é que pode trazer a mudança cultural que precisamos. E temos evidências de mudanças já acontecendo. Nossos avós viveram a infância em uma época que era normal as crianças ajoelharem no milho e os professores usarem palmatória como método de educação e disciplina, mas já podemos ver como há uma posição contrária dos pais a isso hoje em dia. Temos, portanto, que ver o castigo físico da mesma forma. O grande problema mesmo é confundir a educação com esse castigo físico, o bater. Quando fazemos alguma campanha sobre o assunto, é impressionante o número de pessoas que questionam como vão educar se não podem bater nos filhos. Tem gente que acha que é uma coisa é sinônima da outra, mas não é.
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iG: Ainda em relação à própria lei, haverá alguma maneira de distinguir uma “palmada educativa” de uma real agressão à criança? Você acha que é possível fiscalizar esse tipo de situação?
Carlos Zuma: Justamente porque é muito difícil distinguir uma coisa da outra, o melhor mesmo é determinar que não é necessário bater para educar. E, de fato, não é necessário. Existem gerações e gerações de pessoas que foram educadas sem nunca terem tomado um tapa, e isso não as tornou psicopatas. Claro que a maioria dos pais tem a melhor das intenções quando dão palmadas em seus filhos. Vemos que os pais querem educá-los para não se tornarem um bandido, um marginal, então dizem que preferem bater do que ver a criança apanhar da polícia ou da vida no futuro. A intenção dos pais é a melhor possível, mas as consequências, para as crianças, são sentidas para o resto da vida. E não é só o tapa que faz isso: é a humilhação também.
iG: Como você mesmo cita, alguns pais acreditam que é melhor dar palmada nos filhos para discipliná-los antes que “apanhem” da vida ou até mesmo, literalmente, da polícia. Uma criança que não é disciplinada a palmadas terá menor capacidade de lidar com as adversidades da vida, no futuro?
Carlos Zuma: Uma criança que não foi educada e disciplinada terá maiores chances, sim, de apanhar da vida. Não tenho a menor dúvida disso. Mas a melhor forma de educar e disciplinar não é batendo na criança. Eu não tenho a menor dúvida: crianças que não foram educadas pelos pais sofrem muito mais e levam muito mais tempo para se adaptar à realidade. Mas eu falo em educar sem o uso do castigo corporal. As pessoas não devem confundir uma coisa com a outra.
iG: Como os pais devem impor limites e exercer autoridade sem usar castigos físicos? Você acha que o “tapa na bunda” é necessário em alguns casos – como o de crianças bem mal-educadas?
Carlos Zuma:
Carlos Zuma:
Eu discordo que, em último caso, a palmada seja válida. Ao bater em seu filho, você pode conseguir que ele aja da maneira correta, mas se aquilo está educando-o ou estragando-o é questionável. Quando você bate, está dizendo: “olha, quando alguém te contraria, quando alguém faz alguma coisa que você não quer, é legítimo bater”. E então surge um aprendizado da violência como resolução de conflitos. Mas a violência é uma forma ruim de resolução de conflitos. Quando a proposta da Lei Maria da Penha surgiu, a mesma discussão veio à tona. Pouquíssimas pessoas discordam da necessidade de existir uma lei que proíba o marido de bater em sua esposa. O direito de uma pessoa não acaba porque ela está dentro de casa, seja esta pessoa um adulto ou uma criança.
iG: Se palmada e puxão de orelha não são válidos como últimas atitudes dos pais para a criança obedecê-los, o que eles podem fazer?
Carlos Zuma: Não é para usar palmada nem tratamento cruel degradante, mas o castigo é válido, desde que esteja adequado à idade da criança e proporcional ao tipo de comportamento que ela teve. Você pode privar a criança de assistir televisão durante uma tarde porque ela fez uma coisa errada, por exemplo. A criança precisa saber que seus atos têm consequências. Com castigo e explicação, ela pode começar a entender que isso ou aquilo é errado.
iG: Muitos pais se perguntam por que não deveriam bater em seus filhos, se eles mesmos apanharam durante a infância e cresceram sem traumas. Você acha que esse argumento é válido?
Carlos Zuma: É muito complicado definir o que quer dizer “sem traumas”. Eu duvido que essas pessoas optariam por ser corrigidas como foram – apanhando – se pudessem ter escolhido. Também não é porque eu me vejo sem nenhum trauma hoje que as mesmas atitudes funcionarão para o meu filho. O momento é outro. Uma criança do passado pode ter absorvido melhor o que sofreu de castigo físico em uma época em que ajoelhar no milho era aceitável. Hoje isso não acontece.
iG: Há também o argumento de que violência é ver crianças nas ruas, passando fome e fora da escola, e dar uma palmada ou castigar os filhos não é violência.
Zuma: A violência hoje em dia nos cozinha em fogo brando e nos acostumamos com ela. Sim, há uma violência contextual atualmente, o Estado não provê todas as necessidades básicas a muitas pessoas. Mas por isso vamos dizer que o tapa em uma criança não é violência? Isso não é argumento. Não é pela existência de uma violência contextual que irei minimizar essa outra violência, que é bater nos filhos. É violência da mesma forma e é errada. Precisamos garantir os direitos de todas as crianças e adolescentes, mas nem por isso irei permitir a violência dentro de casa com agressão física ou humilhante.
iG: O que falta aos pais que tentam educar os filhos na base da palmada?
Carlos Zuma:
Carlos Zuma:
Estamos em um momento de transição dos modelos de educação, modelos que deram certo em alguns aspectos e errado em outros. O problema é que muitas vezes, ao tentar corrigi-lo, vamos para o outro extremo: do autoritarismo para uma política do “tudo pode”. Os pais estão com pouco tempo para educar os filhos, se sentem muito culpados e não querem se ocupar em dar limites. Mas acredito ser uma transição pela qual estamos passando. Iremos encontrar formas claras de educar as crianças sem precisar bater nelas. Precisamos, para isso, refletir. O que fazemos com o nosso tempo? Temos condições ou não de proporcionar uma boa educação para as crianças que colocamos no mundo? Qual a qualidade do relacionamento que irei manter com meus filhos? É preciso ter essa reflexão, mais do que defender o direito de bater em uma pessoa.
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