terça-feira, 6 de setembro de 2011

Por que gastamos mais dinheiro do que temos?

 

Mau exemplo em casa, dificuldades emocionais e falta de educação financeira são a receita para deixar a conta do banco no vermelho


Verônica Mambrini, iG São Paulo

Foto: Divulgação
Não é só falta de educação financeira que explica o comportamento da protagonista de "Os Delírios de Consumo de Becky Bloom"

A dívida começou há oito anos, quando Jayme Borges, 30 anos, estudante de direito, veio de Curitiba para São Paulo para trabalhar e fazer pós-graduação. “Quando você sabe que vai ter salário, começa a gastar o que não tem. Só que perdi o emprego e fiquei me endividando no cartão para pagar as contas. Estourei e parcelei várias vezes”, conta Jayme. “Só sobrou dinheiro para o aluguel e para a comida do gato. Cheguei a ficar com R$ 4 no bolso. Aproveitei uma promoção do supermercado e sobrevivi à base de paçoca e água por duas semanas.”

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Ao se empregar de novo, Jayme até começou a pagar o que devia e reassumir as próprias contas, com ajuda do namorado, bem mais organizado financeiramente. “Mas fui demitido e, dos R$ 7 mil da rescisão, gastei uns R$ 4 mil em camisas pólo numa tarde. O emocional pesou, mas na hora eu não me dei conta disso”, conta o estudante.

Comportamentos assim são totalmente irracionais, fogem à lógica. “A forma que lidamos com dinheiro está marcada por várias questões emocionais, desde a infância”, diz Jacqueline Kaufmann, psicóloga financeira e terapeuta sistêmica. “Dinheiro está inserido em todas as famílias e a relação que se tem com ele marca a pessoa”, afirma a psicóloga.

De acordo com Jacqueline, a tendência das pessoas é repetir o padrão que aprenderam em casa. Nos casos em que isso gera uma relação negativa com o dinheiro, é preciso avaliar as origens do mau comportamento. Há também quem caia no extremo oposto do comportamento aprendido, para fugir do padrão: diante de pais sovinas, há filhos que viram perdulários extremos.

Shoppingterapia
Não é difícil achar quem se identifique com a viciada em compras Becky, do filme “Os Delírios de Consumo de Becky Bloom”. No melhor estilo da personagem, a consultora em relações internacionais Ana Paula Rassi, 37 anos, decidiu cancelar o cartão de crédito para se proteger. “Costumo fazer ‘shoppingterapia’ em situações de extrema ansiedade ou em liquidações imperdíveis. No momento, estou bem controlada, com alguns escorregões”, revela.

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Depois de liquidações, principalmente em viagens, ela fica meses sem comprar “nem uma caixinha de fósforo”. Ela já aliviou ansiedade e depressão com compras. “Fizeram muito bem para mim naquele momento – naquele momento apenas – porque preencheram um vazio. Acho que é isso que acontece.” Para Jacqueline, “dinheiro quer dizer independência, ser dono da sua vida, ter poder, controle”. Dependendo da associação que se faz, é fácil ir para o shopping e extrapolar, para tentar suprir uma necessidade emocional.

Educar é melhor que remediar
Uma forma eficaz de prevenir que a espiral que leva a pessoa a gastar mais do que tem é investir em educação financeira. “Nada contra realizar desejos, mas é preciso aprender a diferenciar o desejo e a necessidade. Crédito é para emergências. Para realizar desejos, o ideal é juntar o dinheiro antes”, diz Sheila Maia, professora do curso de administração e especialista em finanças pessoais da Escola Superior de Propaganda e Marketing do Rio de Janeiro. Ou seja, mesmo quem é emocional e impulsivo dinheiro pode se beneficiar ao entender como o jogo financeiro funciona. “Nossa geração é descontrolada por casa da inflação; você gastava o dinheiro logo porque não sabia o preço do açúcar amanhã”, afirma.

Essa mentalidade, aliada à oferta de crédito que existe hoje, é uma bomba-relógio financeira. “Em fevereiro tem carnaval e as operadoras de turismo dividem em dez vezes os pacotes. Logo depois tem a Páscoa, com ovos parcelados. Em maio, Dia das Mães, mais parcelas. Dia dos Namorados em junho, Dia dos Pais em agosto, Dia das Crianças em outubro. No Natal, mais presentes. Em janeiro, IPTU e IPVA. Não tem jeito, vira uma bola de neve”, diz Sheila.

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É preciso organização para saber quanto da renda pode ser comprometida e controle para não estender no prazo o pagamento de itens que podem ser quitados à vista. Como parcelas pequenas dão a falsa sensação de “caber no bolso”, a pessoa se ilude sobre o tamanho da dívida total e se endivida.

Ladeira abaixo
O estudante Nilton Henrique Santos Leão, 22 anos, é devedor há quatro anos. “Devo para os bancos Itaú, Santander, Real e Riachuelo. Comprei pouca coisa, mas os juros engordaram a conta”, diz. “Acredito que foi falta de conhecimento e a criação: minha mãe faz compras por impulso”, diz. “Eu acreditava que podia me endividar um pouco e me acertar depois, o que não deu certo”. Nilton ainda está quebrando a cabeça para resolver como vai pagar as dívidas.

“Os apelos do comércio impulsionam ao consumo, a pessoa acaba induzida a comprar”, diz Omar Malheiro, diretor da financeira ATN Capital. “As pessoas compram mais do que podem, pagam juros, em vez de poupar uma parte do salário, porque têm otimismo de que tudo vai dar certo amanhã”, alerta Sheila, da ESPM-RJ.

Não olhar as próprias contas com cuidado é outro indício de que as emoções podem estar negligenciadas. “Gastos impulsivos não são comportamentos racionais. Fugir das próprias contas é inconsciente. Quando eu fujo dessa responsabilidade, provavelmente fujo de outras, como situações conflitantes. Geralmente, faz parte de um contexto bem mais amplo”, diz Jacqueline.

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