sábado, 17 de setembro de 2011

Muito além do Enem


Aspectos como distância de casa, ensino religioso e filosofia da escola são tão importantes quanto o ranking na hora de escolher o colégio dos seus filhos


Tatiana Gerasimenko, especial para o iG São Paulo |

A mudança de critérios usados para divulgar o desempenho das escolas no Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, inovou este ano ao levar em conta o percentual de alunos de cada colégio que participou da prova. O objetivo é evitar a prática, comum entre as instituições, de selecionar os melhores alunos para forçar uma melhor posição no ranking. Mesmo assim, a iniciativa não impediu que algumas escolas fossem proclamadas “as melhores do país” após a divulgação da lista nesta segunda-feira, como o Colégio de São Bento, no Rio de Janeiro. Embora seja um referencial especialmente para o ensino médio, a classificação não deve ser o único fator examinado pelos pais na hora de escolher uma escola para seus filhos.
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“Quando falamos em educação, acabamos atraídos por esse engodo, querendo fazer escolhas a partir de exames como o Enem”, diz Quézia Bombonatto, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia. “Mas com o que os pais devem se preocupar de verdade? Isso vai depender primeiramente da faixa etária do filho”. A primeira lição é tomar cuidado para não ter o vestibular como único alvo. “É importante considerar a coerência dos valores da família e da escola”, ressalta a psicóloga Roseli Caldas, representante da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional em São Paulo. “Para além da informação, a escola deveria valorizar o outro. Todos os pais esperam que seus filhos tenham uma carreira, mas isso não pode se sobrepor a valores mais importantes”.

Para desenvolver suas capacidades cognitivas e emocionais de forma positiva, o jovem precisa de um ambiente agradável e consistente com os valores familiares. Especialistas são categóricos em afirmar que uma escola boa para um aluno pode não ser para outro. E os pais devem ficar atentos a isso. A partir dos cinco anos, também é recomendável considerar a opinião dos filhos. Por isso, além da classificação no Enem, os pais podem observar outros fatores. Confira os principais.

A distância entre a escola e a casa
O perímetro urbano deve ser considerado. “Hoje, principalmente em São Paulo, há crianças que pegam a perua dormindo e voltam para casa dormindo”, atesta Quézia. Ela recomenda a escolha por uma escola, no máximo, em um bairro vizinho. “A localidade também tem a ver com o nível socioeconômico”, explica. Para ela, não é saudável para a criança estudar em uma escola de ambiente muito distante, seja para mais ou para menos, de suas próprias condições financeiras. Além disso, “cozinhar” no trânsito diariamente porque a escola é longe pode deixar pais e filhos irritados. “O tempo ideal de viagem, quando a criança é pequena, não deve ultrapassar 20 minutos”, aponta a psicopedagoga Maria Irene Maluf. “Mais velho, o jovem pode se sacrificar mais: 40 minutos é o limite”.

Pensando dessa maneira, a dona de casa Sandra Turssi não teve dúvidas quando seus dois filhos, Talita e Victor, hoje cursando faculdades de Comunicação Social e Engenharia, respectivamente, saíram da escolinha infantil e foram para o ensino fundamental. “Eles seguiram para a escola onde a maioria dos coleguinhas tinham ido, perto de casa, pois era o que eles mais prezavam na época: as amizades”, explica ela.

A estrutura oferecida pela escola
A estrutura da escola pode ser especialmente importante na educação infantil. O espaço físico é essencial. “É preciso avaliar se a escola tem um bom parque, brinquedos de estimulação motora e observar o número de professores e auxiliares por criança”, explica Quézia. As áreas de embarque e desembarque de alunos também contam. “Pais devem prestar atenção principalmente na entrada e saída da escola”, lembra a pedagoga Magnólia Moura.

Para a também pedagoga Lilian Aparecida Eiras, a escola não precisa ser necessariamente grande. “Algumas escolas não têm muito espaço, mas os professores criam cantinhos, salas diferenciadas – como sala de música, sala de teatro – e isso pode estimular bastante a criança”. A forma como o espaço é dividido pode ajudar na aprendizagem, pois funciona como recurso adicional para o ensino de conceitos tradicionais.


Foto: Juliana Duarte
Chica e o filho João: vínculos e respeito à personalidade da criança foram os conceitos mais importantes


O alinhamento entre os valores da família e da escola
A cineasta Chica SanMartin é mãe de Pedro, de cinco anos, e João, de um ano e meio. A escolha da escola dos filhos dela se baseou muito nos valores. “Não me preocupo tanto com aquelas coisas do ambiente ser super-higienizado ou oferecer aula de inglês”, comenta. “O importante nesta fase é que eles estejam se divertindo e sendo respeitados”.

Tratamento pessoal e vínculo também importam para Chica, que valoriza que “os funcionários da escola saibam o meu nome e o nome deles”. A psicóloga Roseli aprova a postura da mãe. “O mais importante é haver coerência de valores da família com a escola. Tentar conciliar coisas muitos diferentes – como uma escola tradicional a uma família liberal – não dá muito certo”.

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Mas referências diferentes não seriam uma forma de preparar o filho para as diferenças da vida? Segundo Roseli, o jovem ainda não tem recursos para fazer a média – ou ele se comporta de um jeito, ou de outro. Quanto mais coerente forem os valores de casa com os valores externos, melhor para o seu desenvolvimento. “Muito da subjetividade que carregamos pelo resto de nossas vidas é construída ali”, diz ela. Algo fundamental demais para depender apenas de um ranking.

A presença de familiares e conhecidos no ambiente escolar
As reações a ter um conhecido estudando na mesma escola variam. Embora pareça vantajoso, a criança pode se sentir fragilizada quando um tio ou uma tia é o professor. Outros funcionários da escola e colegas de classe podem não avaliar a situação de forma madura, deixando-a exposta a julgamentos.

A presença de um irmão ou primo mais velho na mesma escola também tem efeitos dúbios. Se por um lado representa proteção, pode também dificultar a socialização do aluno com outras pessoas. “O problema mais comum é alguns pais não entenderem porque a escola é boa para um filho e não é boa para o outro”, diz Maria Irene

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O ensino religioso
Os especialistas insistem na comunicação entre os valores de casa e os da escola. “Se os pais não acreditam em Deus, colocam a criança em uma escola católica e pedem para ela deixar a primeira comunhão para mais tarde, a criança vai se sentir desamparada”, exemplifica Maria Irene. Da mesma forma, se a família preza por valores religiosos, deve mostrar este caminho para o filho.

“O ensino religioso é uma opção da família”, diz Quézia. “Se você coloca o seu filho em uma escola religiosa, precisa saber que o processo seguirá a fé que eles pregam, há cultos e o respeito a isso é importante”.


Foto: Arquivo pessoal Ampliar
Cíntia e o filho Gustavo: de olho no futuro, ela vetou escolas com método apostilado por considerá-lo muito voltado para o vestibular


O material didático adotado pela escola
Poucas mães dão atenção ao que a arquiteta Cíntia Baptista, mãe de Gustavo, de sete anos, avaliou. “Não quis o esquema de apostilas. Prefiro os livros didáticos, porque o primeiro método corre muito para ensinar e não permite que o professor se adeque às necessidades do aluno, já que segue um cronograma”, explica. Muitas escolas adotam o modelo apostilado no colegial e reservam o terceiro ano para focar apenas no vestibular. “Acaba ‘matando’ um ano da escola, o que eu não considero bom, porque este tempo deveria ser voltado para a aprendizagem. Se precisar recapitular, meu filho pode fazer um cursinho depois”.

Para especialistas, contudo, a escolha depende do perfil do filho – alguns respondem de forma positiva a um método e outros se desenvolvem melhor com outro. “O material tem a ver com a metodologia, e para fazer a escolha os pais precisam saber como é a criança ou o adolescente. Crianças desorganizadas não conseguem trabalhar com fichários, por exemplo. O mais importante é que o conteúdo faça sentido na cabeça do aluno”, diz Quézia.

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