sexta-feira, 15 de julho de 2011

“Democracia sequestrada”

“Democracia sequestrada”



Guilherme A. Dias


“A democracia em que vivemos é uma democracia sequestrada, condicionada, amputada, porque o poder do cidadão limita-se [...] a tirar um governo de que não gosta e pôr outro que talvez venha a gostar, nada mais.” José Saramago

Essas palavras do escritor português, José Saramago, e as imagens da covarde e truculenta investida da polícia militar de Minas sobre profissionais da educação e da saúde dão-nos a clara dimensão do tipo de democracia política que paira sobre as Minas Gerais. Entretanto isso é apenas um detalhe diante das aberrações administrativas que o executivo e legislativo vêm protagonizando Brasil afora. Daí a impossibilidade de se falar em democracia política.

Além dessa postura antidemocrática tão presente em nosso estado, outros casos reais e cruéis que depõem contra os mais comezinhos princípios democráticos e que, portanto, nos fazem calar ao pensar em democracia, porque inadmissíveis, são os milhares de cidadãos que não têm: a) os mais parcos recursos, não para viver, mas tão-somente para sobreviver com a mínima dignidade; b) tratamento digno e compatível com a condição humana quando buscam atendimento no sistema público de saúde, sem que tenham de sofrer ou até morrer, à míngua, em filas ou corredores de hospitais; c) educação básica de qualidade em escolas públicas, sem essas maquiagens que andam fazendo por aí; d) segurança pública ostensiva e constante que lhes assegure o direito de ir e vir, sem riscos de perder seus bens ou a própria vida.

Não se pode falar em democracia quando a imprensa, cuja “razão precípua é informar com exatidão, formando em seu leitor, ouvinte, telespectador, o processo gerador de conhecimento consciente”, alia-se ao poder constituído e, por conveniência e interesse mútuos, divulga o que é de interesse do governo ou da própria imprensa, ou oculta e sonega o que contraria esses mesmos interesses.

Como haveremos de ver democracia neste estado se não temos partidos políticos, mas sim, como bem disse José Saramago, “grupos de interesses, alianças que se fazem e que se desfazem consoantes as conveniências.” Não é mesmo possível imaginar algum avanço sério e consequente quando o legislativo, que tem por finalidade legislar e fiscalizar o executivo, apenas existe para ratificar a vontade do executivo, sem, contudo, levar em conta o interesse de quem o elegeu, subvertendo, vergonhosamente, este princípio constitucional: “Os poderes são independentes e harmônicos entre si” (Artigo 2º, CF).

Não se pode reconhecer como democracia se o Ministério Público não exercer com independência as funções para as quais fora criado, ou seja, defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses individuais indisponíveis. Porém, como o Ministério Público irá defender a ordem jurídica e o regime democrático se, numa situação de greve de servidor público, profissionais da educação, por exemplo, o tribunal sempre decide pela ilegalidade da greve, quando, no artigo 9º da Constituição Federal, está expresso que a greve é um direito do trabalhador? Como defender a ordem jurídica se o tribunal diz que o direito de greve não fora regulamentado pelo Congresso Nacional, se já se passaram quase 23 anos da promulgação da Constituição Federal e até hoje ninguém tomou as providência cabíveis para que esse direito pudesse ser exercido, inclusive o Ministério Público? Como defender o regime democrático se as manifestações de descontentamento com o governo, eleito pelo povo, não pode ser exercido pelo próprio povo que o elegeu, sem que, em consequência disso, sofra agressões por parte da polícia e retaliações por parte governo e de seus asseclas? Como defender os interesses sociais, direito à educação, por exemplo, sem exigir que o executivo, de todas as esferas administrativas, ofereça uma educação de qualidade e remunere condignamente os profissionais da educação? Como defender? Como? "Data maxima venia", eu não vejo essa ação do Ministério Público.
E o que dizer de democracia quando os tribunais, cujos membros são “legalmente” nomeados pelo chefe do executivo, passam a decidir, não de acordo com os ditames legais, mas segundo as conveniências políticas, subvertendo, também, o princípio constitucional expresso no artigo 2º da Carta Magna?

Jamais haverá democracia neste país se a própria sociedade não aprender, pela resistência e mobilização em massa, a lutar, se necessário, até a morte, por aquilo que lhe afete diretamente, como educação de qualidade, ética e decência na gestão da coisa pública, por exemplo.

Certamente não haverá democracia se aqueles que têm a função de formar cidadãos politizados, os professores, não ensinarem, com exemplos vivenciados por eles próprios, algo que vá além das disciplinas curriculares.

Por fim, infelizmente, restou aos professores a triste certeza de que a nossa “democracia” se traduz tão-somente no que disse José Saramago: “tirar um governo de que não gosta e pôr outro que talvez venha a gostar, nada mais.” Se assim não fosse, não estaríamos assistindo, repito, a essa vergonhosa ação dos militares sobre os profissionais da educação e da saúde, a mando do governo. Ao contrário, estaríamos sim, com união, lutando por melhores condições de trabalho e salários mais dignos para todos os servidores, indistintamente.

Apesar de não termos uma democracia, não vamos nos esquecer de que há mais ou menos dois meses, esses mesmos militares que agora agridem covardemente alguns servidores, ocuparam avenidas, praças e ruas de Belo Horizonte, capital mineira, reivindicando melhores salários. Na oportunidade, ninguém os intimidou, ninguém os criticou. Ao contrário, tiveram apoio e até aplausos por onde passavam. E como consequência, obtiveram os seguintes índices de reajuste: "em dezembro de 2011: 7%; outubro de 2012: 10%; agosto de 2013: 13%; junho de 2014: 15%; dezembro de 2014: 12% e abril de 2015: 15%, totalizando 97% acumulados no período." Muito justo, por sinal.

Contudo, o sonho de uma Minas democrática e livre não morreu. Afinal, foi neste mesmo solo que, outrora, Tiradentes e amigos tiveram os primeiros sonhos e ideais libertários. Portanto, vamos à luta, acreditando sempre, porque “quem sabe faz a hora, não espera acontecer!”

“Oh! Minas Gerais...”

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