André Cancian
Há um abismo entre a erudição mecânica e a erudição refletida. Uma grande quantidade de conhecimento desordenada não é útil como uma pequena quantidade sobre a qual se refletiu, sobre a qual se ponderou, que veio a tornar-se parte da bagagem do indivíduo, não como um penduricalho, mas como o próprio tecido de seu conhecimento, o mesmo que orienta sua vida prática. Muitos cultivam uma vida intelectual para impressionar os demais com citações sofisticadas e posturas excêntricas. Decoram um punhado de frases célebres que serão proferidas no momento oportuno como uma prova de inteligência. Leem obras complexas e obscuras apenas para demonstrar que seu intelecto é capaz de penetrar os mistérios mais profundos e concatenar as ideias mais mal amarradas. Tal conhecimento, entretanto, não lhes serve para nada. Trata-se somente de uma competição entre vaidades eruditas. Caso nossa intenção seja conhecer os benefícios autênticos da erudição, o primeiro passo consiste em abandonar a ideia de que, quanto mais, melhor. O segundo consiste em diminuir a distância entre nossas vidas e nosso conhecimento, de modo que, por fim, viver e conhecer tornem-se indissociáveis. Para tanto, precisamos ser organizados e metódicos em nosso aprendizado. Deixando de lado o pedantismo, passamos a cultivar uma erudição refletida e coesa, que se confunde com nós mesmos.
Tenhamos em mente que o pensamento crítico, a ciência, a erudição, a filosofia só possuem valor na medida em que puderem ser vinculados à realidade, não necessariamente numa abordagem prática, mas numa visão mais esclarecida a respeito do mundo. Possuir uma vasta erudição baseada num conhecimento fechado em si mesmo não passa de um grande desvario. Eruditos dessa espécie pensam que o conhecimento nada tem a ver com a realidade. Enquanto possuidores desse saber, julgam que só devem satisfação às referências bibliográficas. Trancados nesse ponto de vista, passam a louvar o conhecimento como um fim em si mesmo, tornando-se incapazes de situar aquilo que sabem até nas questões mais elementares.
Por mais que estudemos, só possuímos realmente um conhecimento quando conseguimos justificá-lo, seja para nós mesmos ou para outrem, e isso em qualquer área de nosso saber. Quem aceita ideias sem qualquer critério transforma sua mente num ferro-velho no qual tudo se mistura indistintamente. Como resultado, passamos a defender ideias que sequer compreendemos claramente. Quando confrontados, começamos a gaguejar e, embaraçados, dizemos que o assunto é demasiado complexo. Porém, isso acontece apenas porque nunca refletimos sobre o assunto. Quem sabe reproduzir mas não sabe explicar suas próprias opiniões é um impostor no mundo intelectual, e será desmascarado, cedo ou tarde, assim que se confrontar com um pensador autêntico.
Para que consigamos pensar com clareza, nossa visão de mundo deve ser um todo organizado, sem grandes cisões entre a perspectiva teórica e a prática. Quando estudarmos algo, caberá a nós a tarefa de vincular esse aprendizado a todas as facetas da realidade. Como resultado, passaremos a viver aquilo que pensamos. Cada lição nos enriquecerá, nos tornará mais competentes em lidar com o mundo. Assim, quando chamamos um garçom e pedimos água, sabemos que falamos em português devido ao nosso passado colonial. Sabemos que a água é composta de oxigênio e hidrogênio, o mesmo oxigênio que as plantas liberam como resultado da fotossíntese, que surgiu como resposta a uma crise energética ocorrida nos primórdios da vida que, bilhões de anos depois, resultou em nossa existência, e assim por diante. Quando nosso conhecimento é coeso, encontramos relações mesmo entre os fatos mais distantes. Em nossa visão de mundo, nenhum fato deve ficar isolado, pois aquilo que aprendemos só passa a fazer sentido depois de articulado ao conjunto total de nossos conhecimentos.
Se imaginarmos nossas mentes como uma casa, quando simplesmente decoramos fatos e teorias, estamos, na verdade, jogando objetos dentro dela sem qualquer ordem: deixamo-los espalhados pelo chão. Caso um dia precisemos deles, provavelmente não conseguiremos encontrá-los; caso alguém pergunte para que servem, não saberemos responder. Aqueles cômodos nos quais colocamos nossas crenças são os que ficam trancados à evidência: só entramos neles com a luz apagada; não nos permitimos ver, muito menos tocar os objetos em seu interior. Ou seja, desperdiçamos espaços valiosos com algo que na verdade não nos pertence, pois os dedicamos à superstição. A reflexão, nessa ótica, seria o hábito de mantermos nossas casas limpas e arrumadas, organizando aquilo que aprendemos dentro de uma estrutura lógica e funcional, para que isso nos ajude no dia a dia. Também significa nos livrarmos de ideias inúteis, jogar ao lixo as teorias que nos fazem tropeçar. Essa disciplina nos torna lúcidos, donos de nosso conhecimento.
Consideremos também que boa parte da tarefa de organização e limpeza é feita inconscientemente. O cérebro humano é seletivo no que deve absorver, pois temos limitações físicas quanto ao que podemos carregar em nossas mentes. O resto simplesmente se perde no abismo do esquecimento. Fatos desconexos e sem sentido são esquecidos porque não têm vínculo com nossas vidas. Em nossas mentes, aquilo que não se usa se perde, e só conseguimos usar aquilo que tem alguma utilidade. Isso significa que não aprendemos algo apenas porque consta na grade oficial com o carimbo do tu deves, tampouco porque está listado na bibliografia recomendada. O aprendizado só acontece com naturalidade quando temos algum interesse no assunto em questão, quando é particularmente útil aos nossos propósitos ou tem algum sentido que nos diz respeito. Quando já temos uma estrutura prévia à qual incorporar o novo conhecimento, basta que tenhamos algum motivo para considerá-lo relevante, e o aprendizado ocorrerá quase automaticamente. Se o conteúdo a ser absorvido, pelo contrário, não estiver situado em nossa área de interesse, não haverá como esconder o tédio, o repúdio àquilo que será um esforço desapaixonado, uma tortura inútil, pois sabemos que tudo será esquecido.
A questão, portanto, não é como enxertar em nossas cabeças o conteúdo de todos os livros que julgamos valiosos, pensando que o dever estará cumprido — isso equivaleria a decorar listas telefônicas. É necessário que haja uma lógica justificando, dando sentido e finalidade ao que estudamos. Cavar um grande buraco em nossos quintais, por exemplo, é algo que requer grande esforço e, a princípio, não faz sentido algum. Se acrescentarmos que a escavação será para fazermos uma piscina, o trabalho terá sentido, mas não justificará o esforço. Ele só será justificado se, obviamente, gostarmos de nadar — do contrário estaremos apenas perdendo tempo na construção de algo que acabará como uma poça de lodo, feita apenas para impressionar os vizinhos.
O pensamento é uma faculdade limitada, porém extremamente versátil, e deve ter diante de si apenas aquilo que lhe é útil. Decorar um livro de capa a capa é algo pouco inteligente. Tal conhecimento ocupará um enorme espaço inutilmente, e precisaremos exercitar nossa memória constantemente para evitar esquecê-lo. Faríamos melhor em memorizar apenas uma versão resumida daquilo que lemos, um índice das relações entre os fatos mais importantes, pois com isso haverá espaço para armazenarmos o conteúdo de diversos livros. Elaborar esse índice de relações é exatamente o processo de refletir. Se, num momento posterior, precisarmos de algum detalhe específico, sabemos que o original estará na estante. O cérebro é mais importante como uma ferramenta para processar dados que para armazená-los, pois para tanto temos bancos de dados digitais estupidamente eficientes.
Quando abrimos um livro, estamos diante de um sem-número de ideias que não cabem todas em nosso cérebro. Devemos escolher apenas aquelas que nos interessam pessoalmente, para depois refletir sobre elas. Contudo, para extrair qualquer sentido de uma leitura, ainda mais de obras densas e abstratas, é necessário possuir pleno domínio das próprias ferramentas intelectuais. Não basta saber ler, abrir os olhos, seguir as linhas e esperar que as coisas aconteçam magicamente: é necessário ruminar, concluir, por a mão na massa, algo que requer muito esforço e tato — razão pela qual a sabedoria dos livros só é acessível àqueles que pensam. Portanto, se não soubermos exatamente o que procuramos numa obra, não conseguiremos distinguir entre o útil e o inútil. Ansiosos, tentaremos absorver tudo e, como isso é impossível, não absorveremos nada.
O melhor modo de estabelecer um critério de utilidade consiste em peneirar aquilo que nos é apresentado, selecionando apenas o que pudermos agregar coerentemente à nossa visão de mundo. Pode parecer lamentável que não possamos armazenar tudo, mas, assim como não nos lembramos de todas as experiências que resultaram em nosso conhecimento atual, não precisamos nos lembrar de cada página lida, apenas da lição principal, ou apenas de uma lição particularmente útil. Assim como os alimentos que ingerimos, as leituras só passarão a fazer parte de nossos cérebros depois de digeridas, nunca em seu estado bruto — incorporamos as informações úteis e descartamos o resto. Nesse sentido, aqueles que não estudam terão um intelecto fraco e desnutrido; os que estudam compulsivamente sem refletir terão uma erudição obesa e letárgica.
Diante de um livro, é comum alguns pensarem que aquelas letrinhas pouco têm a ver com suas vidas. Quando forçados, leem a contragosto como quem faz um favor aos demais. Entretanto, uma resposta instintiva e positiva a essa questão é o pressuposto de qualquer aprendizado. Sem isso, qualquer estudo será tempo escorrendo pelo ralo. Todas as palavras lidas serão deixadas ao vento. O conceito de leitura será reduzido a uma corrida na qual nossos olhos devem percorrer as linhas o mais rapidamente possível a fim de que reste tempo para fazermos aquilo que nos importa. Todo estudo será associado a uma crescente e justificável repulsa em digerir algo que não faz sentido e, por isso mesmo, acabará vomitado. É evidente que, quando não temos interesse, não nos damos ao trabalho de relacionar os conceitos, de pensar sobre o que lemos. Parece uma perda de tempo dupla: além de ler, ainda temos de pensar sobre o assunto — mas esse é o único modo de incorporá-lo à nossa visão de mundo. Sem reflexão, abrimos mão exatamente da realidade daquilo que lemos, deixamos de dar o último passo, que é o mais interessante. Como alguém que, depois de ler um livro de culinária, deixa de empregá-lo em suas refeições, pois aprender as receitas já foi muito cansativo. Eram receitas teóricas, que nada têm a ver com aquilo que se faz na cozinha.
A maioria dos indivíduos sequer reconhece que, ao ler, está entrando em contato com outra pessoa que tenta dizer-lhe alguma coisa, exatamente como em uma conversa. Há uma espécie de repúdio automático, um preconceito que a impede de reconhecer que ler se trata de entrar em contato com as ideias de outro ser humano, não de uma atividade excêntrica à qual alguns indivíduos superdotados e chatos se dedicam por motivos incompreensíveis. Parece que, num diário, numa carta, fala-se de um mundo real; num livro, fala-se de um mundo imaginário que não nos diz respeito para além das portas da universidade. Nem todos os livros dizem a verdade porque humanos também mentem por escrito, assim como em conversas; nem todos são interessantes porque nem todos têm algo interessante a dizer, ou porque não sabem expressá-lo de modo cativante. Assim como dialogar com certas pessoas pode ser entediante e, com outras, muito interessante, o mesmo ocorre com os livros. Pelo mesmo motivo que somos criteriosos na seleção de nossas amizades, devemos escolher cuidadosamente os livros aos quais dedicamos nosso tempo. Repudiar a leitura porque alguns livros são maçantes é o mesmo que rejeitar quaisquer amizades porque certos indivíduos nos aborrecem.
Muitos menosprezam a leitura porque, quando o assunto é conhecimento, parece-nos à primeira vista que aprender algo numa conversa, numa aula ou numa leitura seria exatamente a mesma coisa. Que diferença faz se o conhecimento que queremos está na cabeça de outrem ou em folhas de papel? Muita. Em interações sociais, aprendemos muito pouco, e isso por dois motivos. O primeiro é que a maioria dos indivíduos tem pouco a nos ensinar que seja de nosso interesse. O segundo é que, mesmo que alguém tenha algo a nos ensinar, e mesmo que esteja disposto a fazê-lo, muitas vezes o conflito de vaidades impede que o aprendizado ocorra. Como priorizamos o teatro social, o conhecimento e a reflexão acabam em segundo plano. Perdemos inúmeras oportunidades de aprender simplesmente porque estamos preocupados demais em impressionar, em provar que somos superiores. Aquilo que temos a dizer sempre parece mais importante que aquilo que temos a ouvir. O fato, entretanto, é que só aprendemos quando estamos com a boca fechada. Ao repetir como papagaios aquilo que já sabemos, isso só garante que nada de novo chegará aos nossos cérebros. Numa leitura a situação é diferente, pois não sentimos nossa vaidade ser afrontada. Não estamos disputando nem tentando provar algo, pois não há testemunhas. Ninguém rirá se formos refutados, se não entendermos alguma passagem. Estamos anônimos, protegidos da vergonha pública. Então, enquanto numa conversa, por motivos óbvios, não podemos falar tudo o que nos passa pela cabeça, numa leitura poderemos pensar o que quisermos sem qualquer receio.
Isso explica por que aquele que lê aprende muito mais que aquele que apenas conversa. Teoricamente, o resultado deveria ser o mesmo, mas não é. Num debate intelectual, quase tudo se resume à guerra de orgulhos, à troca de farpas. Se o que queremos é conhecimento, estamos apenas perdendo tempo. Por outro lado, numa leitura, também há uma guerra, só que de ideias, coisa que favorece grandemente nosso crescimento intelectual. A leitura, mesmo sendo um diálogo, cria uma atmosfera impessoal extremamente propícia ao aprendizado, colocando não o ego, mas a reflexão como prioridade. Imersos num livro, situamo-nos num universo no qual inexistem interesses pessoais e sociais. Isso tudo fica em segundo plano. No domínio do intelecto, tudo é conhecimento, e o único interesse é o entendimento. Sem espectadores, a vaidade adormece, e vemo-nos aptos a refletir livremente. Esse distanciamento é o que torna a leitura eficiente, mas também gera a impressão de que livros não dizem respeito à realidade. Parece-nos que o autor é um personagem de ficção. Parece-nos que ele é o próprio livro, que nasceu dentro dele, não que o escreveu. Sentimo-nos um pouco ridículos ao discutir com um bloco de papel, pois temos a impressão de estar falando sozinhos, ou seja, perdendo tempo. Se nossa intenção for fazer amigos ou impressionar os demais, isso não deixa de ser verdade. Entretanto, se quisermos aprender, o diálogo com livros é o melhor caminho.
Acrescentemos que estaremos dialogando com alguém que, ao menos no assunto em questão, provavelmente sabe muito mais que nós. Aquilo que custou a outrem anos de disciplina, pesquisa, estudo e reflexão está condensado em páginas que podemos ler em poucas horas. Como podemos pensar que sua leitura é uma perda de tempo? Levaríamos o mesmo tempo, ou talvez mais, para chegar às mesmas conclusões por nós mesmos. O quebra-cabeça já está resolvido, e cabe a nós apenas entender os detalhes da montagem. Algumas horas de leitura, somadas a outras tantas de reflexão, resultam na aquisição de um conhecimento que levou anos para ser lapidado. Se tivermos um mínimo interesse na aquisição daquele conhecimento, temos de admitir que, com a leitura, ganhamos tempo. Desse modo, quando empregada inteligentemente, a leitura nos alavanca, nos poupa muito esforço. Conseguimos extrapolar as limitações do aprendizado individual e evitar muitos erros. Nosso entendimento torna-se capaz de investigar lugares extremamente distantes, que nos seriam inacessíveis caso nos limitássemos ao aprendizado proporcionado pelas nossas próprias experiências pessoais. Dentro de poucos anos, nossa visão particular concentra a sabedoria de incontáveis gerações.
Entretanto, quando lemos sem refletir, tornamo-nos eruditos, mas continuamos estúpidos, pois nossa vida não se mistura ao conhecimento. Em nossa ânsia de consumir, compramos coisas sem nos dar a oportunidade de aprender a usá-las. No fim, apenas colecionamos conhecimentos alheios como quem organiza bibliotecas, mas nunca abre os livros.
Nessa situação, os alicerces não estão ruins, pois não há alicerce algum, só um caos no qual cada lado defende que o autor quis dizer isto ou aquilo, e ambos são incapazes de explicar por que isso é importante. Ver o conhecimento sendo debatido como se não se tratasse de uma opinião de outra pessoa é quase uma piada. Levam-se mais a sério as sutilezas gramaticais que a veracidade daquilo que é dito. Como resultado, o conhecimento que se forma na mente dos indivíduos é algo como um arquipélago: caminha-se aos saltos e tropeços entre ilhas ridiculamente pequenas e esparsas, formatadas no padrão ABNT, que nada têm a ver com o continente de suas vidas que, este sim, é contínuo, consistente, pensado, real. Equilibram-se sobre tais ilhas e saltam de modo coreografado apenas para demonstrar que são bons trapezistas intelectuais. Depois do espetáculo, tiram seus uniformes e voltam a usar a própria cabeça.
Quem nunca relacionou a cor de seus olhos à genética, sua condição social à história, suas gírias ao português, uma explosão à física, um macarrão empapado à química, uma cãibra à biologia, pode muito bem saber o que está nos livros, mas nunca refletiu, nunca se deu conta de que o que está nos livros está no mundo, é o mundo e também ele próprio que, de tanto saber, esqueceu-se de pensar.
A preocupação essencial deveria ser o quanto a leitura de certa obra nos enriquece e ajuda pessoalmente. O resto são detalhes desprezíveis, aos quais se dedicam apenas aqueles que perderam de vista a questão essencial. A leitura é de onde tiramos o conhecimento que nos torna capazes de lidar melhor com o mundo tridimensional das alternativas infinitas e das opções limitadas, das questões sem resposta, dos recursos escassos e do tempo curto, levando-nos a fazer a escolhas mais competentes. Lemos porque queremos saber a opinião de outros indivíduos que estudaram as mesmas questões que nos interessam, pois lidaram com os mesmos problemas e talvez tenham encontrado soluções melhores que as nossas, talvez tenham algo a nos ensinar.
Quando terminamos de ler um livro, geralmente temos a impressão de que continuamos os mesmos, assim como continuamos a mesma pessoa que éramos no mês passado, pois a mudança é gradual demais para que consigamos notá-la com clareza. Porém, se considerarmos o quanto crescemos durante um ano de leitura em comparação com um ano de atividades cotidianas, perceberemos seu poder de nos fazer crescer quase exageradamente, como se estivéssemos vendo o mundo por sobre ombros de gigantes. Essa é a razão pela qual os estudiosos parecem mais inteligentes que a maioria, mesmo que possuam apenas uma capacidade intelectual mediana. Seus cérebros tornaram-se ágeis e vigorosos porque os exercitam diariamente; tornaram-se profundos porque o estudo acrescentou-lhes muitos anos de sabedoria, adiantou-lhes a vida. Mas isso só aconteceu porque absorveram o conhecimento ativamente e, através da reflexão, o usaram para constituir a si próprios, não para enfeitar suas conversas. Distinguem-se não pela erudição mecânica, que garante pouco mais que um computador, mas pela capacidade de pensar, pela habilidade em caminhar dentro do campo de sua erudição com clareza, com os passos firmes de quem sabe onde está pisando. Escolhem por si mesmos o que devem ou não incorporar do que o mundo lhes apresenta, e sabem explicar o porquê.
Quando compreendemos que todo livro bem escrito é como um presente, um atalho no labirinto do mundo, buscaremos instintivamente o conhecimento como quem busca o melhor para si próprio. Leremos, mas não absorveremos tudo passivamente. Discutiremos com o autor, refutaremos suas teses infundadas, aceitaremos algumas explicações, faremos perguntas incômodas, adivinharemos nas entrelinhas algumas de suas segundas e terceiras intenções. Haverá uma troca de ideias, da qual tiramos nossas próprias conclusões. Concordando ou não, geralmente ficamos gratos que o autor tenha se dado ao trabalho de compartilhar sua experiência conosco.
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Até aqui, vimos apenas as razões pelas quais o cultivo do conhecimento, principalmente através da leitura, é desejável e útil. Ponderamos sobre a função da reflexão nesse processo. Todavia, para ser justos, não poderíamos deixar de mencionar o aspecto negativo envolvido no ato de ler, ou seja, o lado prático. Mesmo que seu mérito seja inegável, temos algumas observações incômodas a fazer.
Fora do universo tradicional dos iniciados, despreza-se cada vez mais a leitura, porém não sem razão. O primeiro motivo, e o mais óbvio, é que há modos cada vez mais práticos de chegarmos a aprender alguma coisa sem abrir um livro. O conhecimento não apenas já chega pré-mastigado, como também pré-digerido. Não é sequer necessário pensar muito para absorvê-lo. Seria ilógico que alguém escolhesse o caminho de espinhos quando pode aprender o que quiser simplesmente apertando o play. Como somos naturalmente econômicos em nossos esforços, é óbvio que escolheríamos o modo mais fácil de incorporar alguma informação quando o objetivo é apenas tê-la na cabeça, não esperar que os demais nos elogiem por isso. Contudo, na defesa da leitura, muitos se tornam quase irracionais.
A imagem que se pinta dos livros, de alguém que lê livros, é rodeada por uma aura mística. Tem-se a impressão de que quem aprendesse exatamente a mesma lição através de um vídeo nunca se equipararia àquele que a aprendeu pela leitura. Há um quê de exagero nisso. O ato de ler não significa reflexão necessariamente, tampouco vídeos implicam irreflexão.
A presunção de que devoradores de livros sejam espíritos elevados, seres inerentemente pensantes, nasce da ideia razoável de que alguém dado à atividade penosa de ler também esteja familiarizado com o processo cansativo de refletir. Faz sentido, mas, à primeira vista, temos uma imagem muito elogiosa que omite o aspecto inconveniente da questão, ou seja, a dor, mental e também física.
Se a leitura fosse algo agradável por si só, não haveria necessidade de incentivá-la, assim como ninguém perde tempo salientando o valor do dinheiro. É extremamente duvidoso que alguém, em sã consciência, realmente veja na leitura um fim em si mesmo, senão por nunca ter pensado no assunto com honestidade. É tão ilógico quanto dizer que fazemos exercícios físicos como um fim em si mesmo, sem nenhum interesse no bem-estar, na saúde, na beleza etc. Não sejamos tão ingênuos.
Sentar-se numa poltrona, debruçar-se sobre um livro e passar horas a fio decodificando palavras é algo muito incômodo fisicamente. Não conseguimos permanecer muito tempo parados sem que logo comecem a surgir efeitos como cãibras, coceiras, dores nas costas, membros dormentes e vistas cansadas. Todos esses incômodos envolvidos no ato físico de ler evidenciam que se trata de uma atividade artificial, que requer uma grande quantidade de treinamento para que possamos suportá-la por longos períodos. Condicionar-se fisicamente à leitura de livros é algo que requer muita disciplina bruta, pois se trata de um procedimento extremamente maçante e estranho à nossa natureza. Do ponto de vista psicológico, o ato de ler pode ser resumido como um esforço mental intenso e prolongado, no qual o objetivo consiste em manter nossa atenção fixa em um único ponto no qual não há absolutamente nada de cativante ocorrendo. É uma atividade cansativa e tediosa como cruzar um oceano de páginas num pequeno barco a remo. Cada remada é como um esforço da imaginação que nos permite ver a paisagem pintada pelo autor.
Não importa quão interessante seja aquilo que estamos lendo, o ato de observar pequenos caracteres ao longo de inúmeras páginas e disso destilar algum aprendizado é, em si mesmo, um processo extremamente penoso. O prazer nunca está na própria leitura, mas naquilo que aprendemos. Sem dúvida, nossa curiosidade sobre o assunto pode fazer com que não notemos todos esses elementos conscientemente. Porém, caso ainda não estejamos convencidos do caráter insípido da leitura em si, podemos dissipar todas as dúvidas tomando à mão a coisa mais desinteressante que pudermos imaginar, como uma lista telefônica, por exemplo. Não precisaremos ser grandes mestres da introspecção para vislumbrar uma constelação de elementos incômodos que dizem em uníssono: pare de perder tempo. É impossível não darmos por eles e, por fim, termos lido de capa a capa algo tão estéril num descuido ante uma atividade tão prazerosa como a leitura. Isso simplesmente não acontece. No melhor dos casos, elogiamos aquele que tem o hábito de ler exatamente por ter conseguido superar todas essas dificuldades, sendo capaz de realizar uma tarefa bastante árdua. Apenas indivíduos infectados por um pedantismo elevado à demência chegam a afirmar que se sentem transportados a um mundo de prazeres ao ler, esperando ainda que acreditemos. Como qualquer exercício, a leitura é uma tarefa essencialmente desagradável. Trata-se de algo edificante, não prazeroso. O prazer é colhido como uma exceção, como um efeito colateral ultravalorizado.
Como em qualquer área da atividade humana, ninguém se daria ao trabalho de ler sem que houvesse alguma expectativa de recompensa. Imaginemos com que boa vontade leríamos o mais tedioso dos livros se sua compreensão nos permitisse desvendar a localização de um tesouro — só que o tesouro em questão não são barras de ouro, mas empregos mais bem remunerados e prestígio social, uma vantagem a mais sobre a competição. Isso porque, em regra, ninguém gosta realmente de estudar, mas da sensação de poder proveniente da erudição. Mesmo aqueles raros indivíduos cujo lazer consiste, por vontade própria, na leitura de pesados volumes, não podem ser vistos como exceções, já que encontram no próprio aprendizado motivo suficiente para justificar seu esforço. Ainda assim, seria difícil acreditarmos que não há nenhum motivo, nenhuma ambição inconfessa por detrás de um ócio tão construtivo. Não é outro o motivo pelo qual tantos se orgulham da leitura de longos livros enfadonhos. Sendo um esforço hercúleo cujo lucro líquido em erudição não nos indeniza pelo enfado, passamos a exigir que os demais cubram o prejuízo na forma de reconhecimento.
Nesse sentido, é interessante observar que é muito comum recebermos recomendações de livros e mais livros, todos ótimos, todos excelentes. Lendo-os, entretanto, é raro encontrarmos algo que esteja à altura de tais elogios. Considerando que a maioria dos livros é ruim, inclusive muitos dos clássicos, não espanta que quase tudo o que nos recomendam seja o mais completo lixo. Logicamente, recomendam livros ruins simplesmente porque perderam tempo lendo-os. Elogiam tais livros apenas para elogiarem a si próprios. O tempo é valioso e, quando o investimos, não há volta. No fim de uma leitura, poucos conseguem admitir que apenas perderam tempo. Preferem enganar-se. É importante que estejamos atentos a tal fato, ou perderemos muitas horas em busca de tesouros que simplesmente não existem. O valor dos livros ruins é declarado meramente pela vaidade dos que perderam tempo lendo-os.
Como todos leem esperando, direta ou indiretamente, algum lucro na forma de aprendizado, nenhum tipo de livro é mais odiado que os herméticos, cheios de preliminares, rebuscamentos e rodeios desnecessários. Envolver o sentido de uma ideia com uma dura casca gramatical, como se fosse uma castanha de ouro, é prestar-lhe uma homenagem excessiva. Ideias dignas de valor se fazem reconhecer por si mesmas pelo modo admirável como enriquecem nossa visão, de modo que as sentimos como uma agradável surpresa. Embrulhá-las várias vezes com letras douradas não tornará o conteúdo mais valioso. É comum gastarmos um longo tempo interpretando certo texto pedante e hermético para, no fim, descobrir que seu conteúdo não passava uma obviedade embalada como algo valioso. Com razão o leitor se sentirá enganado, pois o autor, numa tentativa de parecer profundo, complicou suas teorias desnecessariamente.
Por mais difícil que uma ideia seja, por mais orgulho que seu dono possua de tê-la concebido, qualquer esforço no sentido de torná-la mais difícil de ser apreendida não passará de uma valorização excessiva pela qual será punido com o desprezo de seus leitores. Situação semelhante seria a de alguém que deixasse um bilhete preso à geladeira avisando que só voltará mais tarde porque o carro quebrou. Porém, imaginando que isso fará com que levem a sério sua mensagem, escreve o bilhete em latim e o enterra no quintal, deixando preso à geladeira apenas um mapa cheio de mensagens enigmáticas. O esforço para que alguém chegue a compreender seu recado não será compensado pelo valor de suas ideias. Temos a impressão de que indivíduos dessa espécie leram livros difíceis, não entenderam, e então passaram a imitá-los por questão de estilo, pensando que é glamoroso dizer banalidades incompreensíveis. Seria mais justo que tais autores escrevessem livros sobre enigmas, palavras cruzadas ou charadas, pois ao menos assim seus leitores não sentiriam que estão diante de um impostor, de alguém que escreve para esconder seus pensamentos.
A clareza na exposição das ideias é o sinal distintivo de um autor que confia no valor daquilo que diz. Deixar que, sob o pretexto do estilo, ideias óbvias sejam adornadas e maquiadas até se tornarem irreconhecíveis é a admissão de que, em si mesmas, não valem sequer o papel em que estão impressas. É perdoável que, por exemplo, na poesia, uma área que valoriza a estética tanto quanto o conteúdo, haja passagens que devam ser muito interpretadas para que se tornem compreensíveis, mas isso apenas se justifica se, igualmente, o efeito estético resultante estiver à altura da dificuldade de interpretação. Como se, depois de passar um longo tempo tentando descobrir o segredo de um cofre, víssemos em seu interior um objeto tão belo que nos fizesse, com um sorriso no rosto, esquecer todo o esforço necessário para abri-lo. Mas é comum, pelo contrário, encontrarmos no interior do cofre apenas um bilhete dizendo “parabéns, caro leitor, pois demonstrou ter inteligência para resolver meu enigma; sua recompensa é tê-lo resolvido; sorria”. É impossível não revoltar-se como quem, no fim no mês, não recebesse salário algum, mas apenas um bilhete elogioso. Ler poesia é como ouvir música com os olhos: se não nos encanta, não serve para nada.
Aquele que não quer ser compreendido deveria escolher o caminho mais fácil: não escrever. Quem produz textos para si próprio, sem qualquer preocupação em torná-lo apresentável àqueles que os lerão, deveria rabiscar diários, não publicar livros. O fato de um assunto ser pessoal não justifica textos confusos, pois é perfeitamente possível ser claro em assuntos pessoais. Se tivermos um domínio razoável da língua e um interesse sincero em ser compreendidos, não haverá dificuldade alguma. Porém, se não conseguimos colocar no papel aquilo que pensamos, isso ocorre porque nossos próprios pensamentos são confusos até para nós, em geral porque nunca pensamos no assunto sobre o qual paradoxalmente estamos tentando escrever. Textos confusos nascem quando tentamos escrever sobre aquilo que não entendemos. Nessa situação, em vez de explicar, limitamo-nos a reproduzir, dentro da norma culta, a confusão que há em nossas cabeças. Deveríamos nos preocupar em dominar o assunto antes de nos pronunciarmos sobre ele. Ademais, como há inúmeros autores que conseguem fazer-se compreender perfeitamente bem, a culpa não pode ser da linguagem. Assim como falar, escrever é fácil. Difícil não é escrever, mas pensar com clareza.
Temos outro sinal característico da pobreza de uma ideia quando o autor se dirige ao leitor em primeira pessoa, numa tentativa de assegurar que devemos acreditar em sua palavra. Se o autor não consegue conquistar a confiança de seus leitores pela honestidade na exposição de suas ideias, pouca diferença fará que apareça pessoalmente, seja entre parênteses, em notas de rodapé ou em sua porta, confirmando que é absolutamente digno de consideração. Quando o autor charlatão percebe a debilidade de uma ideia, não vê outra saída senão vendê-la pessoalmente, como se sua mera presença fosse suficiente para conferir qualquer autoridade a uma ideia tola. Não há coisa mais desagradável que ler esses escritores que tentam se autopromover conversando diretamente com os leitores. É um sinal tão evidente de desespero que mais parece uma confissão de incompetência. Só um parvo compraria uma ideia por compaixão, comovido pela incapacidade intelectual do autor. Vemos poemas falando de versos e da caneta que os escreve, livros falando de seus parágrafos e esclarecendo-os, autores conversando com leitores em primeira pessoa. Isso é ridículo. A metalinguagem só é admissível como um prefácio, uma apresentação. Para além disso, se empregada suficientemente bem, será no máximo uma excentricidade, um recurso de estilo dos que dispõem de gênio suficiente para dar-se a esse luxo como uma demonstração de excesso de capacidade. Quando o caso não for nada disso, como geralmente não é, o autor que possua qualquer dignidade simplesmente deve partir e deixar que suas ideias falem por si próprias. Não nos importa a opinião pessoal que tenha a respeito desta ou daquela ideia, interromper a todo o momento sua exposição para cumprimentar o leitor pessoalmente e prestar-lhe satisfações, explicações e porquês sobre os detalhes mais ínfimos da atividade que somente diz respeito a ele próprio é uma falta de respeito para com seu público, um insulto à inteligência daqueles que se dispuseram a ler seus livros. Não compramos refrigerantes esperando encontrar em seu rótulo, em vez de sua composição química, uma confissão verborrágica do fabricante a respeito das duras penas envolvidas na elaboração do produto, explicando que as matérias-primas exigem um longo e cuidadoso processamento. Não esperamos palavras sobre a árdua competição com empresas rivais ou sobre como foi sua luta para comprovar a patente de sua fórmula. Queremos apenas bebê-lo, não entender como é feito. O produtor que se vire com seus problemas pessoais, pois foi essa a atividade que escolheu para sua vida. Não somos obrigados a sofrer ouvindo seus lamentos. Sendo que a incompetência não adoça bebidas ruins, nenhuma explicação nos fará engoli-las.
É muito comum também que se tente passar confiança aos leitores através da citação de autores célebres, e isso equivale mais ou menos a uma fotografia na qual vemos o autor e a celebridade se cumprimentando como bons e velhos amigos. Também não passa de uma carta de recomendação assinada por ele próprio. A não ser que as palavras citadas sejam absolutamente necessárias como referência, não é mais que a admissão do autor quanto à sua incapacidade ou preguiça de dizer o mesmo com suas próprias palavras. Seria como se, numa entrevista de emprego, em vez de demonstrar suas próprias habilidades, fizesse menção a todas as pessoas importantes que conhece ou com as quais tem parentesco. Se quiséssemos saber aquilo que certo autor disse a respeito de um assunto qualquer, teríamos simplesmente comprado seu livro. Não inspira confiança que um autor cite autoridades constantemente sob o pretexto de seu caráter ilustrativo, pois isso somente ilustra sua própria insegurança, imaginando que ninguém ousaria contestar os pensamentos de alguém que possui conhecidos tão influentes. É o que acontece no caso do indivíduo que, apesar de sua erudição, é incapaz de pensar por si próprio, que não se dá ao trabalho de ruminar. Em vez de destilar daquilo que lê apenas a essência e misturá-la naturalmente à sua visão de mundo — algo que será propriamente interpretado como uma influência —, simplesmente joga na mistura pedaços de conceitos tão mal digeridos que ficam boiando no caldo de suas ideias como pedaços de cortiça que servem apenas para preencher páginas vazias. Talvez esse autor devesse considerar um emprego na área de compilação, já que muitas vezes, num capítulo todo, as únicas palavras que prendem nossa atenção são exatamente as citações, rodeadas por um deserto prolixo de ideias sem valor.
Seria melhor, em vez de simplesmente recortar ideias prontas, absorver a essência de tais ideias e integrá-la organicamente à nossa visão. Isso ao menos prova que refletimos sobre o assunto com profundidade suficiente para que a mistura resultante seja perfeitamente homogênea. Assim podemos dizer, com justiça, que tais ideias são realmente nossas, que temos o direito de usá-las como bem entendermos. Isso pode parecer uma desculpa para a falta de originalidade, mas, seja qual for a ideia que tenhamos, por mais genial, é extremamente improvável que ninguém a tenha pensado antes de nós. Mesmo quando chegamos a certa conclusão sozinhos, por experiência própria, não precisamos de mais que alguns minutos de pesquisa para perceber a infinidade de indivíduos que já disseram o mesmo muito antes de termos nascido, e não raro numa forma muito mais bem acabada.
O único motivo para que se continue escrevendo a respeito de assuntos sobre os quais quase tudo já foi dito consiste em reciclá-los, ou seja, atualizá-los nos pequenos detalhes que vieram à luz somente no momento presente, vesti-los com roupagens modernas e tirar fotos recentes com equipamentos mais sofisticados, explorar melhor seus detalhes e ângulos; também fazendo o papel de coveiros, enterrando os pensamentos aparentados que não tenham sobrevivido à provação do tempo, realizando todas as cerimônias necessárias para evitar que seus fantasmas continuem perambulando entre os vivos.
Desse modo, qualquer pretensão à originalidade deve ser vista com suspeita, já que em geral não é mais que um indício de ingenuidade. É confortante acreditarmos que fomos os primeiros a desflorar a verdade à qual nos casamos, mas em regra apenas preferimos não saber quantos outros já a tiveram como esposa antes de nós. Não é outro o motivo de nos sentirmos indignados quando descobrimos que não fomos os primeiros a tê-la ao lado — também não seremos os últimos. Por mais sedutora que seja a verdade, sempre será enganosa a ideia de que poderemos tê-la somente para nós próprios. Ela sobreviverá às nossas custas enquanto pudermos sustentá-la, partindo tão logo alguém oferecer-lhe melhores condições de vida.
Ler, em si mesmo, é um esforço penoso o bastante para que nos sintamos justificados em jogar ao lixo qualquer livro escrito com o objetivo de fazer com que seus leitores desperdicem suas vidas decifrando banalidades. Se considerarmos nosso tempo algo minimamente valioso, concluiremos que a maioria dos livros simplesmente não merece ser lida. Ler livros que nos desagradam é tão tolo quanto planejar um fim de semana junto a uma pessoa com a qual não temos a menor afinidade: não nos acrescentará nada, ficaremos entediados, e isso será nossa culpa, pois, diante de tantos livros bons, escolhemos os ruins apenas para provar que conseguimos engolir o lixo que está na moda. Faremos muito melhor em ler e reler os clássicos que em vagar pelo deserto de ideias ocas e autores hipócritas que, não tendo nenhuma coisa séria a dizer, escrevem livros como que para brincar com nossas caras.
Fonte: ateus.net