segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Até onde elogiar os filhos?


Embora muitos pais ajam desta forma para desenvolver a autoestima dos filhos, o excesso de elogios pode ser prejudicial

Renata Losso, especial para o iG São Paulo

 
Embora não pareça, assumir que o filho é uma criança especial – principalmente numa sociedade competitiva – possui alguns perigos que podem vir à tona se este reconhecimento não for feito da maneira correta. Para o norte-americano Richard Weissbourd, psicólogo na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e autor do livro “The parents we mean to be” (“Os pais que desejamos ser”, ainda sem título em português), é importante ressaltar as qualidades que os pequenos possuem, mas é preciso ter muito cuidado: se eles sentirem que são melhores do que os outros em todos os sentidos – e não em particularidades –, podem acabar se tornando arrogantes e presunçosos, afirma ele em seu blog homônimo ao livro.

 
Segundo o especialista, fazer com que os filhos percebam e valorizem os próprios pontos fortes sem serem acompanhados da soberba é um desafio que está presente no dia a dia de todos os pais. Para alguns, pode até parecer uma tarefa fácil, mas o psicólogo afirma que muitas crianças de famílias modernas ainda estão longe de chegar ao comportamento ideal em questão. Para Silvana Rabello, psicanalista especialista no comportamento infantil e professora da PUC-SP, estar atento às atitudes que a criança toma e às próprias é determinante.

 
“Quando a criança é bem pequena, os pais acabam perdendo um pouco os parâmetros e a relação com os filhos fica parecida com as relações de paixão, mas à medida que ela começa a sair das fraldas e entrar para o mundo social, é preciso um pouco mais de lucidez”, revela a especialista.

 
Mas a rotina do mundo moderno nem sempre propicia este tipo de percepção. Cabeça cheia, problemas no trabalho, falta de tempo e também a falta de energia podem acabar impedindo os pais de verem a criança se tornando exibida ou metida, na maioria dos casos por não discriminarem devidamente quando ela faz algo que realmente merece reconhecimento ou não.

 
Filho, você é muito, muito, muito especial

 
De acordo com Karina Haddad Mussa, psicóloga e psicoterapeuta especializada em medicina comportamental e neuropsicologia pela Unifesp, em São Paulo, o problema realmente não está em elogiar o filho na tentativa de reconhecer ou enaltecer uma qualidade, mas em não ter critérios para tal. “Desde a década de 70 muitos pais interessados em incrementar a educação dos filhos fizeram do elogio uma moda para obter crianças autoconfiantes, bem-sucedidas, brilhantes”, afirma Mussa.

O problema disso tudo, segundo ela, são os pais que exageram nos elogios por não se sentirem realizados e projetarem expectativas frustradas e irreais nas crianças, esperando que ela se torne o máximo a qualquer momento, e aqueles que o fazem por estarem ausentes e se culparem por isso, compensando a falta na vida da criança com agrados e mimos verbais e materiais. “Os filhos destes pais podem acabar crescendo com limites prejudicados, sem as interdições necessárias ao bom desenvolvimento do caráter e da personalidade, podendo chegar a extremos de insensibilidade e indiferença diante das pessoas que o cercam e agindo como os ‘donos do mundo’ por serem incapazes de lidar com frustrações”, diz.


É preciso mesmo ser melhor em tudo?

Para a psicóloga e psicopedagoga Alba Weiss, do Rio de Janeiro, a questão do elogio não necessariamente levará a criança a ter uma personalidade arrogante. “Hoje em dia muitos pais possuem valores de individualidade e competitividade, frutos do capitalismo, e a colaboração para com as pessoas é deixada de lado principalmente quando colocam na cabeça da criança que ela tem que ser a melhor”, afirma a especialista. A arrogância, segundo ela, não surge necessariamente do elogio – que precisa ocorrer desde que seja real –, mas muitas vezes de um adulto que possui uma falsa autoestima.

 
“Os pais ficam perdidos nisso de se compararem com os outros pais: quem dá a melhor festa, quem dá o presente mais bonito, quem usa a melhor marca. A comparação tem que ser consigo mesmo no sentido de se superar”, explica Weiss. Mas o erro ocorre principalmente pela vida muito atribulada dos pais em que, no que concerne aos filhos, acaba sendo mais fácil ceder: “Dá muito trabalho cuidar dos filhos hoje em dia por também não existir uma sociedade repressora como antigamente, então o elogio é só uma ponta do iceberg, mas se tiver uma base de incentivo não necessariamente irá criar este problema”.


Não faz mais que a obrigação

 
Porém, o inverso do elogio exagerado também pode criar problemas no comportamento infantil. Segundo Weiss, ser um pai duro para a criança poder crescer é também um equívoco. “Somos movidos pela motivação e o elogio é uma forma de mostrar que a criança está sendo olhada. Não é à toa que elas ganham estrelinhas em produções feitas na escola, por exemplo”, afirma. Ainda segundo Mussa, os pais que não elogiam os filhos por acharam que não fazem mais do que a obrigação em tirarem 10 na escola, por exemplo, irão colaborar para que o filho se torne inseguro, sem autoconfiança e insatisfeitos por acharem que nunca irão atingir a perfeição por eles idealizada para receberem o elogio e a aprovação dos pais.

Para que a criança não passe a vida se torturando em busca de satisfazer os pais – o que pode acontecer mesmo na vida adulta –, é preciso ter conhecimento de que o elogio feito com propriedades é um incentivo para o filho continuar se esforçando, o que não acontece pelo elogio sem fundamento. Um exemplo dado por Weiss fala de uma professora que diz à criança que o desenho que ela fez é lindo e depois o joga fora: “criança que ver o trabalho no lixo não terá o eco do elogio por ter sido uma impressão falsa”.

 
Elogio na hora certa


Segundo Mussa, o elogio como um reforço positivo deve acontecer somente mediante o esforço realizado em busca de um objetivo, independentemente do resultado. “O elogio feito na hora e na medida certa promoverá o incentivo e a promoção de melhorias no que se refere ao desenvolvimento de potenciais habilidades da criança”, explica a especialista. Os pais que estiverem voltados para este princípio ajudarão o filho a desenvolverem a auto-estima e a autoconfiança, por ser elogiado pela dedicação a algo. Mas o cuidado para ele não se tornar cheio de si não para por aí.

 
É necessário também ensinar os filhos a falhar, já que existe na vida sofrimentos que podem nos ajudar a aprimorarmos. “Se uma criança está prestes a repetir o ano escolar e o pai vai à escola atrás de uma pessoa influente para evitar que isso aconteça, por exemplo, imagine o desastre na vida desta criança”, questiona a psicóloga. Desta forma a criança não saberá lidar com as consequências dos próprios atos, já que alguém sempre irá tentar resolver as coisas para ela.


De acordo com o norte-americano Weissbourd, os pais que se focarem na qualidade dos filhos e também ressaltarem as qualidades de outras crianças ao redor estarão no caminho para que não haja arrogância no comportamento dos pequenos. Ajudá-las a entender que todos são diferentes, mas que todos possuem atributos e vulnerabilidades em comum com outros, é também um dos passos para que elas tenham um senso maior de humanidade.

 
Mas segundo Mussa, isto não irá acontecer se o pai ficar dizendo sempre na hora do almoço que o filho é lindo, inteligente e maravilhoso sem se referir a um esforço: “O reforço positivo sem critério perde, desta forma, o papel principal, que é desenvolver uma qualidade ou comportamento”.

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