Há riscos em correr uma maratona?
Estudo diz que correr 42 km causa lesões ao coração. Médicos pedem cautela com longas distâncias
Yara Achôa, iG São Paulo
Neste domingo (7), mais de 40 mil corredores, de 120 países, participam da Maratona de Nova York, a mais festejada corrida de rua do planeta. Estariam eles condenados a riscos cardíacos? Um estudo canadense, recém apresentado no Congresso Cardiovascular Canadense, afirma que sim.
A pesquisa, realizada pela Universidade Laval, no Canadá, recrutou 20 corredores amadores saudáveis, analisando seu comportamento fisiológico algumas semanas antes e 48 horas depois de uma prova de longa distância. Foram feitos testes de esforço, de sangue e de ressonância magnética.
Os resultados mostraram alterações no bombeamento sanguíneo e na oxigenação do coração, além de microlesões e inchaço no órgão. Os piores resultados foram de pessoas com menor índice de absorção de oxigênio pelo teste VO2. Três meses depois, os exames foram repetidos e as alterações haviam desaparecido.
Segundo os pesquisadores, apesar de reversíveis, os problemas observados estariam associados à ocorrência de eventos cardiovasculares preocupantes em longo prazo.
Esse não foi o primeiro estudo a constatar alterações na saúde dos corredores de longas distâncias. No Brasil, o departamento de cardiologia do esporte do Instituto Dante Pazzanese, de São Paulo, analisou 70 maratonistas. “Examinamos os atletas antes da corrida e na chegada, após dois a cinco minutos. Detectamos inúmeras e surpreendentes alterações do organismo”, diz o cardiologista Nabil Ghorayeb, chefe da equipe que coordenou a pesquisa.
Segundo o especialista, é preciso avaliar bem a relação entre o risco e o benefício de uma prova como a maratona. “Não existe risco zero na prática de algum esporte de elevada intensidade. Esporte não é vacina nem a avaliação é um seguro de vida”, diz.
Não é a maratona que mata
O risco não é exatamente enfrentar os 42.195 metros da prova. Em todos os casos de mortes ocorridas em corridas (sejam maratonas ou até distâncias menores) os atletas tinham problemas cardíacos anteriores ou cometeram abusos. “Ninguém morre com o exercício. O que mata é doença prévia não valorizada ou não sabida, além de abusos físicos. Exagero é fator de risco para o coração, sim”, alerta Nabil Ghorayeb.
O especialista reforça a ideia de que correr maratona não é como passear no shopping. “Sou grande incentivador do esporte. Mas é preciso preparação física e técnica orientada, ao menos por seis a nove meses antes de um evento de longa distância, e avaliação médica em cardiologia aplicada ao esporte”.
É aí que o Ghorayeb também vê problema. “Não basta ser avaliado por um cardiologista. Esse médico tem de ser especialista em esporte e ter conhecimento profundo na área para poder liberar a pessoa para uma maratona”.
Duas por ano
O maratonista pode se sentir bem após correr os 42 quilômetros. Isso, aliás, é desejável – significa que o indivíduo se preparou adequadamente para enfrentar o esforço. Mas não quer dizer que o corpo esteja recuperado. “O organismo só estará apto para voltar a treinar com alguma intensidade após um mês”, explica o cardiologista e médico do esporte José Luiz Briguet Cassiolato, do Centro de Referência em Medicina do Esporte do Hospital 9 de Julho, em São Paulo.
O médico diz que as primeiras horas após a extenuante corrida são fundamentais para ajudar na recuperação. “Faça o corpo voltar à calma, descanse, alimente-se e hidrate-se bem”, orienta.
Outras competições de endurance só são aconselháveis de quatro a seis meses depois. “Se os profissionais, com todo aparato multidisciplinar que têm, fazem duas, no máximo três, por ano, por que o amador deveria querer fazer mais do que isso?”, questiona Nabil Ghorayeb.
Ossos sofrem
O ortopedista e médico do esporte Ricardo Nahas diz que a preparação e a maratona em si causam também impactos importantes em ossos, articulações e músculos. “O corredor pode desenvolver tendinites, fascites plantares e uma série de outros problemas, além de estar sujeito a fraturas por estresse e entorses. Se o problema se tornar crônico ele provavelmente terá de parar por uns bons meses”.
“Não se pode confundir exercício para qualidade de vida com alta performance. O esporte deve ser encarado como atividade de lazer e proporcionar bem-estar. Se virar obsessão perde o fundamento”, argumenta Páblius Staduto Braga, médico do esporte, coordenador do Centro de Referência em Medicina do Esporte do Hospital 9 de Julho.
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