quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Filhos diabéticos ensinam pais a ter uma alimentação saudável

Pesquisas mostram que segredo de prevenção ainda está na gravidez e na amamentação
Fernanda Aranda, iG São Paulo


O caminho foi percorrido ao contrário. Ainda não tinham completado nem 15 anos de idade e tiveram de ensinar os responsáveis por fazer a feira e o supermercado de suas casas a como manter uma alimentação saudável.

A explicação para a inversão de papéis no caso de Raphael Sobral Vieira dos Santos, hoje com 16 anos, e Letícia Silva Souza, 17, aparece também no histórico de meninos e meninas que descobrem o diabetes na infância ou adolescência. O diagnóstico dos filhos obriga os adultos a mudarem de postura.

“Comecei a sentir os sintomas aos 12 anos de idade. Tinha muita sede, ia frequentemente ao banheiro. Um dia desmaiei e entrei em coma. Quando saí do hospital, precisamos fazer uma revolução dentro de casa”, conta Raphael. “Minha mãe aprendeu, por minha causa, a importância de uma alimentação saudável. Hoje, com equilíbrio, posso comer de tudo. Não só os meus pais adotaram essa postura, como meus amigos que vivem a base de muito hambúrguer e batata frita reconhecem que o certo é se alimentar como eu me alimento”, conta o garoto que nunca precisou da supervisão dos adultos para manter seus níveis de glicemia controlados.

“Pelo contrário. É ele que me lembra das refeições a cada três horas e os alimentos necessários”, diz com o orgulho a mãe Rosana. O mesmo papel de “professora” de casa ocupa Letícia, desde que descobriu o diabetes aos 11 anos. “Tenho uma vida normal. No começo tive um pouco de dificuldade com a alimentação mais saudável e com tantas diferenças na dieta. Mas junto com a minha mãe, tiramos isso de letra”, afirma a garota, que também reconhece ter um padrão alimentar de melhor qualidade do que o de seus colegas.

Tipo 1 e tipo 2

Raphael e Letícia são portadores do diabetes tipo 1, que não tem uma relação muito íntima com hábitos alimentares e sedentarismo. Este tipo da doença costuma se manifestar entre os 5 e 15 anos de idade, tem aparecimento abrupto e o tratamento é quase sempre com a insulina. A dieta precisa ser muito saudável e as refeições espaçadas por tempo máximo de 4 horas entre uma e outra.

Já o diabetes tipo 2 tem origem na dieta rica em gorduras e açúcares e também na falta de exercícios físicos. Antes costumava ser associado apenas com o passar dos anos, mas agora com o crescimento do número de crianças obesas e sedentarismo, já existem pesquisas que confirmam o diabetes tipo 2 como um dos inimigos da infância e da adolescência.

Se no diabetes tipo 1, os portadores da doença mais jovens assumem o papel de tutores da alimentação saudável, para o outro tipo da doença metabólica, as pesquisas demonstram que a contribuição dos pais para o aparecimento da doença nos filhos é evidente.

Gravidez, amamentação e os primeiros dois anos de vida da criança são apontados pelos especialistas como períodos cruciais para a formação de um futuro adulto saudável. Os médicos, nutricionistas e autoridades em saúde pública atestam que estas fases são chave para prevenir o aumento de doenças crônicas na infância e também na vida adulta.

“Já temos evidências científicas bem importantes que mostram que ainda dentro da barriga da mãe, o bebê forma a sua preferência por certos alimentos”, afirma Elsa Giugliani, coordenadora de Saúde da Criança do Ministério da Saúde.

“Este processo tem relação com os sabores, proteínas e nutrientes dos produtos ingeridos pela mulher, que passam pelo líquido amniótico. Uma das evidências de que a alimentação durante a gestação é importante não só para a mãe não engordar muito, mas para o futuro da criança”, completa a médica.

As pesquisas

Uma das evidências da influência da alimentação da grávida nas preferências futuras da criança foi atestada por um estudo publicado no Jornal Americano da Academia de Pediatria. Os pesquisadores da Pensilvânia acompanharam por mais de cinco anos 46 mulheres. O trabalho começou no início da gravidez de todas. Elas foram divididas em três grupos. Um deles bebeu um suco de cenoura, três vezes por semana, durante toda a gestação. A segunda turma só fez do suco uma rotina semanal na amamentação, também três vezes por semana. O terceiro grupo não colocou a cenoura na dieta.

Os resultados mostram que quando as crianças nascidas das mães participantes da pesquisa chegaram aos 5 anos de idade, os filhos de mulheres do primeiro e do segundo grupo gostavam de cenoura e comiam o vegetal sem nenhum problema. Já os meninos e meninas gerados no terceiro grupo torciam o nariz só de olhar para a salada de cenoura. No primeiro e no segundo grupo, o índice de garotos que comiam cenoura foi quase três vezes maior.

Ricardo Meirelles, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), diz que ainda mais importante do que os alimentos ingeridos na gestação e na amamentação das crianças, é a forma como os pais se comportam durante os primeiros dois anos de vida.

“A comida, em especial a gordurosa e calórica como o chocolate, é oferecida como uma recompensa, por algo bacana que eles tenham feito”, afirma. “Isso cria uma relação de compensação com os alimentos, que não tende a ser saudável no futuro”, diz.

A médica Elsa, do Ministério da Saúde, acrescenta que “também não adianta oferecer às crianças alimentos que não fazem parte da rotina dos pais”. "O filho não terá nenhum prazer em comer os vegetais, legumes e verduras se os adultos não comem este tipo de produto. Também não é proveitoso se, quando o fazem, a reação quase sempre é de uma careta.”

Desafio

O fato da alimentação saudável não fazer parte da rotina de crianças e adolescentes tem um peso muito alto no aumento de diabetes tipo 2, colesterol e hipertensão nesta parcela da população. Rosa Sampaio, coordenadora de Diabetes e Hipertensão do Ministério da Saúde diz que a descoberta destes problemas em uma população de pouca idade tem feito com que os responsáveis pelas políticas públicas de saúde se debrucem sobre o tema para traçar as recomendações mais efetivas de alimentação adequada e também de prática de exercícios antes da dolescência.

“É uma nova preocupação em nossa agenda, mas é uma preocupação que precisa ser solucionada de forma imediata”, afirma.

Na Caderneta de Saúde da Criança, elaborada por técnicos do Ministério, já existem os dez passos da alimentação segura de crianças até 5 anos

Dez passos da alimentação saudável

Passo 1 – Dar somente leite materno até os seis meses, sem oferecer água, chás ou qualquer outro alimento

Passo 2- A partir dos seis meses, introduzir de forma lenta e gradual outros alimentos, mantendo o leite materno até os dois anos ou mais

Passo 3- A partir dos seis meses, priorizar alimentos como cereais, tubérculos, carnes, leguminosas, frutas e legumes três vezes ao dia, se a criança receber leite materno, e cinco vezes ao dia, se estiver desmamada

Passou 4 - A alimentação complementar deve ser oferecida sem rigidez de horários, respeitando-se sempre a vontade da criança

Passo 5 - A alimentação complementar deve ser espessa desde o início e oferecida na colher. Começar com consistência pastosa (papas/purês) e, gradativamente, aumentar sua consistência até chegar à alimentação da família.

Passo 6 - Oferecer à criança diferentes alimentos ao dia. Uma alimentação variada é uma alimentação colorida

Passo 7 - Estimular o consumo diário de frutas, verduras e legumes nas refeições

Passo 8 - Evitar açúcar, café, enlata¬dos, frituras, refrigerantes, balas, salgadinhos e outras guloseimas nos primeiros anos de vida. Usar sal com moderação

Passo 9 - Cuidar da higiene no preparo e manuseio dos alimentos; garantir o armazenamento e a conservação adequada

Passo 10 - Estimular a criança doente e convalescente a se alimentar, oferecendo sua alimentação habitual e seus alimentos preferidos, respeitando sua aceitação.

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