Pesquisa inédita revela que médicos recém-formados desconhecem assuntos ligados a sexualidade e negligenciam tema nas consultas
Como anda a sua vida sexual? A pergunta, fora de contexto, é capaz de constranger não somente aos mais pudicos.
Segundo pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a maioria dos médicos recém-formados não tem conhecimento suficiente para abordar ou simplesmente orientar suas pacientes quando o assunto é sexo.
Teresa Barroso, médica obstetra, coordenadora do ambulatório de qualidade de vida da faculdade, mensurou este gargalo. Entrevistou mais de 150 profissionais recém-formados, na esperança de encontrar o ponto de partida de tal déficit. Os resultados da estatística revelam que a fragilidade na relação médico-paciente vai muito da demanda ou mediação feita pelos planos de saúde.
“Eles reconhecem que não sabem abordar a sexualidade com as pacientes. Apenas 22,7% dos entrevistados afirmam ter conhecimento e confiança para orientar. Por mais absurdo que pareça, o sexo ainda é tabu na medicina.”
A defasagem é admitida por especialistas que trabalham tanto no sistema público quanto no privado. O que une ambos profissionais é a falha na formação, aponta Teresa. Na visão da obstetra, são raros os cursos de medicina que incluem a sexualidade na grade de aulas.
“É um tema com abordagem rasa. O fundamental é conhecer as doenças sexualmente transmissíveis, fazer papanicolaou e prevenção contra câncer de mama. O que foge ao básico, é autodidatismo ou interesse pessoal desses profissionais.”
Eternos caretas?
A pesquisa espelha uma realidade próxima a tragetória da especialista. Teresa concluiu o curso de medicina em meados dos anos 80. Naquela época, questionar a vida sexual das pacientes não era constrangedor, mas invasivo. Algumas mulheres, porém, abandonavam o ceticismo e procuravam ajuda de especialistas. Reconhecendo a própria incompetência no assunto, a médica buscou cursos de formação depois de conquistar o diploma.
“Sentia vergonha de ter demorado tanto tempo para procurar esse tipo de complementação. Saí da faculdade em 1986, só terminei minha especialização em sexualidade em 2004.”
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Na avaliação da Professora associada e livre docente do departamento de obstetrícia da Unifesp, Mary U. Nakamura, o problema se arrasta na medicina brasileira.
"Antigamente não existia esse tipo de questionamento por parte das mulheres. Hoje, a demanda é real, e exige informação, capacitação multidisciplinar."
Rodrigo da Rosa Filho, ginecologista e obstetra, foi um dos residentes que forneceu subsídio a tese de Teresa. Formado em uma das faculdades mais concorridas do Brasil, Rosa viu seu diploma perder a força ao ser indagado por uma paciente sobre libido e dor durante a penetração.
“O conhecimento que tive na formação é raso e quase inexistente. Na faculdade, a sexualidade nem é abordada. Durante a especialização em ginecologia, área que deveria ter uma orientação maior, o assunto é tratado rapidamente. Em três anos temos 8 horas para aprender sobre sexualidade."
Com o avanço da demanda – ter prazer passou a ser um direito, e não exceção – Rodrigo investiu em cursos e atualizações sobre o tema. A própria Unifesp oferece aulas no ambulatório de sexualidade.
"Você sente a importância e o desamparo das pacientes quando começa a atender. Só que a essa altura, já é praticamente por sua conta e risco", recorda o ginecologista.
A ineficiente capacitação é agravada pelo tempo das consultas médicas. O atendimento em série, se já não permite que o médico enxergue o paciente à sua frente, torna ainda mais improvável a proximidade e confiança que antecedem ao diálogo e exposição de dúvidas possivelmente constrangedoras.
"Em relação aos perigos de DST e gravidez inesperada todo ginecologista tem conhecimento, sabe fazer. O tempo com a paciente não permite uma conversa aberta, abrangente. Os problemas de convênio e atendimento deterioraram ainda mais a relação", acredita Rosa.
Saúde em alerta:
Sexo para todos
A sexualidade é pré-requisito para qualidade de vida, defende a professora Mary. Para a educadora, é fundamental que as faculdades incluam a temática na formação dos profissionais.
"É uma área multidisciplinar. Todo médico deve questionar a vida sexual, a libido de seus pacientes, ou, ao menos entender que a vida sexual pode ser chave para muitos diagnósticos.
Reclamações como baixa libido ou dor durante a relação sexual não apenas sinalizam problemas no organismo, como impõe uma serie de contra-indicações medicamentosas, afirma Teresa Barroso. Antidepressivos, remedios para tratar o diabetes reduzem o apetite sexual dos pacientes. Se o tema não é abordado, o tratamento resolverá um problema e acentuará outro.
“É importante perceber que a sexualidade pode mascarar um tratamento que possivelmente seria eficaz. O dever de um cardiologista não é apenas salvar seu paciente de um infarto fulminante. É papel dele, após a recuperação, orientar depois de quanto tempo ele está apto a ter relações sexuais. Nada disso é feito. Temos endócrinos que prescrevem remédios para diabéticos. Essa população sofre alteração na sua sexualidade, mas nada se fala sobre o assunto.”
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