Mães são confidentes para pequenos deslizes ou vícios, enquanto os pais ainda são a figura que representa a autoridade
Foi aos 12 anos que M. S. fumou pela primeira vez. A curiosidade surgiu durante um bate-papo com uma amiga que estava dormindo em sua casa. “Era madrugada e saímos escondidas pra comprar um maço na loja de conveniência. Depois voltamos, nos trancamos no quarto e fumamos juntas, sem saber tragar nem nada”, lembra a publicitária. Hoje ela tem 25 anos, já saiu da casa dos pais e se mudou para outra cidade, para trabalhar em uma grande agência de comunicação – mas seu pai ainda não sabe que a filha é fumante.
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“Na verdade, não sei se não sabe ou se finge não saber, mas o fato é que, desde aquela madrugada quando eu tinha 12 anos, meu pai e minha mãe ficaram desconfiados”, afirma. Ela conta que, não raro, um dos dois comenta que seus dentes estão meio amarelados. “Mas a verdade é que não fumo na frente deles e nem converso sobre o assunto por uma questão de respeito, principalmente em relação a meu pai”, ressalta. “Minha família odeia cigarro e eu acho que eles ficariam muito magoados se tivessem certeza de que sou dependente de nicotina”.
Temer a figura paterna não é novidade. Filhas geralmente se sentem mais à vontade para conversar com as mães e costumam ter medo de confessar certas experiências aos pais. “Vivemos em uma estrutura machista, depositando no homem o papel daquele que vai dar o limite. Mesmo que isso venha diminuindo, graças ao espaço que as mulheres ganharam nas últimas décadas no mercado de trabalho, esse temor ainda fica marcado no imaginário, está no inconsciente coletivo”, diz Paulo Quinet, psiquiatra e psicanalista da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro. Na maioria das vezes, o conflito recairá nos assuntos relacionados a “sexo, drogas e rock and roll”, brinca ele, quando a cultura vigente é colocada à prova. O grau disso dependerá muito da região e da educação que os pais receberam.
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Apesar de geralmente o temor vir das meninas, muitos homens também não conseguem encontrar uma abertura suficiente com os pais para uma conversa franca. O adolescente P.J., de 16 anos, não esquece a garrafa de uísque antes de ir a uma festa. Abre o jogo com a mãe, dizendo que bebe ‘umas e outras’ em festas de amigos, mas é incapaz de contar ao pai que suas reuniões sociais são mais acaloradas do que ele supõe. Disfarçar o hálito se torna uma tarefa fácil porque os pais são separados. “Quando fico na casa dele, nem bebo!”, ressalta. Ao ser questionado sobre a razão de não falar a verdade, ele desconversa e diz que, provavelmente, seu pai não entenderia como os jovens podem se divertir.
Para Ceres Alves de Araújo, psicóloga da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e autora do livro "Pais que Educam - Uma aventura inesquecível" (Editora Gente), falta diálogo entre pais e filhos. “O modelo familiar, hoje, é completamente diferente do modelo de 20, 30 anos atrás. É claro que o homem tem dificuldade de lidar com determinados assuntos, como a sexualidade da filha, por exemplo, mas hoje eu vejo que a ausência do diálogo se deve muito mais pela falta de respeito dos jovens com relação à família do que pela repressão da figura paterna em si”, afirma.
Segundo Ceres, antes os pais possuíam direitos e os filhos, deveres. “Hoje vivemos a situação inversa. Na maioria dos casos, são os filhos que ditam as regras e os pais não sabem como lidar com a situação”, explica. Na visão da psicóloga e autora, essa inversão pode ser perigosa. “A idealização do pai, a visão do herói que protege e educa é muito importante, afinal o pai é um modelo muito forte de identidade para a criança e o jovem”, completa.
Tão comuns quanto os filhos que escondem seus pequenos vícios do pai são aqueles que, na presença do “chefe da família”, são incapazes de dividir o quarto com o namorado.
Quinet explica que o controle da sexualidade, principalmente feminina, tem explicação em um modelo machista há tempos quase incontáveis estabelecido. “Quando o homem percebeu que gerar um ser não dependia exclusivamente da mulher, não podia ter a certeza da paternidade”, diz ele. “O casamento se encarregou disso: era uma maneira de assegurar a descendência”. De lá para cá, muita coisa mudou, mas resquícios desta mesma mentalidade foram aos poucos passados de geração em geração. O pai, responsável primeiro do sistema familiar, procura manter vínculos que vão ao encontro das normas sociais.
Isso não significa que estabelecer limites dentro de casa não seja saudável ou importante. “Não é porque a menina viaja sozinha com o namorado que necessariamente o casal deva dormir no mesmo quarto quando está na casa da família”, afirma Ceres. “Isso não é hipocrisia, mas sim um acordo de cavalheiros. O papel do pai é, e deve ser sempre, o de colocar limites. Isso é primordial na educação dos filhos". Desta maneira, filhos entendem que seus pais não são cegos, mas podem não estar dispostos a subverter regras na mesma velocidade desejada pelos jovens.
A mãe como mediadora
Quando as relações entre pais e filhos são tensas, as mães não raro assumem a posição de mediadora. Mas, de acordo com Patricia Gebrim, psicóloga e autora do livro “Enquanto Escorre o Tempo” (Editora Pensamento), este tipo de arranjo não é salutar para a família. “Quando trabalhamos em terapia familiar, a primeira coisa que buscamos quebrar são esses triângulos estabelecidos entre pai, mãe e filho. No fundo, a mulher muitas vezes se coloca nesta posição de interlocutora porque, de alguma maneira, acredita que isso a deixa com mais poder. Mas a verdade é que as relações, para serem mais autênticas e verdadeiras, necessitam do diálogo direto e aberto”.
Neste sentido, a maioria dos especialistas parece concordar. “É claro que certas coisas têm muito valor para os pais, mas é importante que eles consigam não ser preconceituosos diante das mudanças, ou ao menos assumam que têm seus preconceitos”, ressalta Quinet. “Vivemos outra realidade e é preciso estar preparado para isso, porque esta ‘briga’ é saudável para o filho”. Manter a porta aberta para o diálogo é a primeira recomendação.
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