terça-feira, 21 de setembro de 2010

Sua Majestade, o bebê

O narcisismo infantil é uma fase natural e necessária para o desenvolvimento – mas depois dela, a criança precisa entender os limites e a existência do outro

Livia Valim, especial para o iG São Paulo | 20/09/2010 16:21



Foto: Getty Images
A partir dos 4 anos, a criança deve perceber a existência dos outros

Um recente estudo da Universidade de San Diego em parceria com a Universidade do Alabama mostrou que o narcisismo vem crescendo entre os norte-americanos nos últimos 15 anos. As teorias para explicar este fenômeno culpam pais, professores e a mídia, que permitem ou até celebram atitudes permissivas, voltadas para o individualismo.

Os pais usam a desculpa de que estão criando filhos com a auto-estima elevada e mais preparados para competir no mercado de trabalho. Mas o que vem acontecendo, não só nos EUA, é chegarem à idade adulta pessoas que exigem tratamento especial, são mandonas e tomam decisões inconsequentes. “É só ver quem é valorizado pela sociedade: o indivíduo que consegue o que quer a qualquer custo. É preciso passar a dar importância à construção e não à destruição”, diz a psicóloga Mônica Amaral, especializada em narcisismo.

"Sua Majestade, o bebê!’. Como Freud determinou na teoria psicanalítica [em um artigo escrito em 1914 que levava este título], toda criança passará necessariamente por uma fase narcísica”, explica o psicólogo Guilherme Cerioni, do Hospital das Clínicas. Esta fase egocêntrica é natural e até importante para a criança novinha. Até mais ou menos três anos, ela não entende que o outro não faz parte dela e não está ali apenas para satisfazê-la. “O narcisismo é necessário para que a criança reconheça seus próprios sentimentos e desenvolva sua personalidade”, explica a supervisora e professora Izabella de Barros, do curso de psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Os pais devem começar a ficar atentos a partir dos 4 ou 5 anos, para observar se isso está virando um traço de personalidade. Nesta fase, os pequenos devem ser ensinados que não podem ter tudo o que querem na hora em que querem, que a mamãe não pode ser só deles e que precisam respeitar os amiguinhos e parentes. “Alguns pais encontram dificuldade em dizer ‘não’ e impor limites por inúmeros fatores, como a falta de tempo relacionada com a demanda da vida moderna e a inexperiência”, enumera Cerioni.

Espelho meu

Não é preciso esperar passar a fase naturalmente narcísica para ensinar solidariedade e colocar limites. Definir recompensas e punições e apresentar limites deve começar desde cedo. “Nomear sentimentos também é importante. Dizer ‘estou muito triste com o que você fez’ ajuda a criança a assimilar as consequências de seus atos”, diz Izabella.

Antes de tudo, é preciso fazer um exercício de autoconhecimento, pois pais narcisistas dificilmente se darão conta que seus filhos estão indo pra esse caminho. “Quando pai e mãe estão voltados para si mesmos, a criança acha que precisa agir assim para ser bem vista”, lembra Mônica.
 
A linha que separa uma boa auto-estima do narcisismo exacerbado é tênue, por isso cria tantas confusões na cabeça dos pais. Todos querem ter filhos que sejam confiantes de suas capacidades e não deixem as inseguranças tomarem conta, mas como saber se esta confiança já está passando dos limites? “No exercício da auto-estima, tem que perceber se a criança está levando em conta o outro e não apenas usando as pessoas para se satisfazer”, ensina Izabella. O resultado do narcisismo desmedido pode ser cruel na idade adulta. “O excesso de si mesmo em detrimento de uma relação com o mundo traz um sentimento de vazio ou até depressão sem causa conhecida”, alerta Mônica.

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