sexta-feira, 16 de março de 2012

Livro polêmico diz que europeus colonizaram América antes de indígenas

 

Dupla de pesquisadores afirma que nova teoria é baseada em descobertas arqueológicas



BBC Brasil | IG



Foto: Divulgação Ampliar
Teoria de Bruce Bradley (esq) e Dennis Stanford gerou controvérsia na comunidade científica


Um livro escrito por dois arqueólogos americanos gerou controvérsia na comunidade científica ao defender que os europeus, e não povos provenientes da Ásia, foram os primeiros colonizadores do continente americano.

O livro, lançado recentemente em Washington, aponta novas descobertas arqueológicas, indicando que a América foi colonizada inicialmente por europeus da Idade da Pedra, que cruzaram o Atlântico de barco durante a última Era Glacial, há cerca de 20 mil anos.

Com Across Atlantic Ice: The Origin of America’s Clovis Culture (Pelo gelo do Atlântico: a origem da cultura Clóvis da América, em tradução livre), Dennis Stanford, do Museu Nacional Smithsonian de História Natural, em Washington, e Bruce Bradley, da Universidade de Exeter, no Reino Unido, deram início a uma polêmica entre seus colegas arqueólogos.

É que eles defendem uma teoria considerada radical sobre quem foram os primeiros americanos e quando estes chegaram ao Novo Mundo.

Across Atlantic Ice traça as origens dos solutrenses, que ocuparam o norte da Espanha e França, e de seus supostos descendentes da cultura Clóvis - surgida no final da Era do Gelo e assim batizada por conta dos artefatos encontrados perto da cidade de Clóvis, no Novo México (EUA). O povo da cultura Clóvis era considerado o mais antigo habitante das Américas, com cerca de 13 mil anos.

"O livro é bem pesquisado, interdisciplinar e sério. Mas os dados científicos concretos ainda não estão lá para provar ou refutar a teoria", disse à BBC Brasil Tom Dillehay, renomado arqueólogo da Universidade Vanderbilt, no Tennessee. "Estamos pesquisando teorias para explicar o povoamento das Américas. Esta hipótese é uma das possibilidades, mas os dados genéticos e bioarqueológicos atuais assinalam que a Sibéria, e não a Europa, foi o ponto de entrada."

Ferramentas
Há vários anos Stanford e Bradley têm afirmado que os seres humanos da Idade da Pedra eram capazes de fazer a viagem através do gelo do Atlântico. Mas ainda não contavam com provas suficientes que apoiassem tais indícios. Agora, no entanto, eles dizem ter indícios que sustentam a teoria.

Dezenas de ferramentas de pedra em estilo europeu, que remontam a um período entre 19 mil e 26 mil anos atrás, foram descobertas em seis locais diferentes ao longo da costa leste dos Estados Unidos. Três deles estão localizados na Península Delmarva, em Maryland. Outros dois foram encontrados na Pensilvânia e em Virgínia. Pescadores acharam o último no fundo do mar, a 96 km da costa de Virgínia.

De acordo com a dupla, a completa ausência de qualquer atividade humana no nordeste da Sibéria e no Alasca, num período anterior a 15,5 mil anos atrás, é outro argumento fundamental para a teoria deles. Também defendem que os europeus podem ter sido parcialmente absorvidos ou destruídos pelos índios asiáticos originários.

Além disso, alguns marcadores genéticos para a Idade da Pedra dos europeus ocidentais simplesmente não existem no nordeste da Ásia. Mas já aparecem em pequenas quantidades entre alguns indígenas norte-americanos, o que indicaria uma herança genética desses primeiros habitantes.

Também alguns exames de DNA antigo extraído de esqueletos com 8 mil anos na Flórida revelaram um alto nível de um marcador genético europeu.

Mas há especialistas que discordam deles.

"Os argumentos do livro merecem ser completamente e conscientemente analisados", afirmou Gary Haynes, arqueólogo da Universidade de Nevada. "Tenho certeza de que existem muitas pessoas do público em geral e arqueólogos que aceitarão as teorias, mas não estou convencido."

Haynes disse sentir-se eticamente obrigado a ser cético. De acordo com ele, "as teorias são apenas parcialmente sustentáveis com os indícios disponíveis. Alguns dos argumentos não são lógicos, não foram analisados, ou se baseiam em pressupostos não comprovados e proposições".

DNA

Haynes enumera uma série de fatores que refutam a teoria defendida no livro. Entre eles, destaca que o DNA encontrado em populações nativas americanas não indica uma origem na Europa Ocidental, mas uma ascendência asiática.

O mesmo, de acordo com ele, pode ser dito com relação ao material genético encontrado - tanto nos antigos quanto nos modernos - esqueletos dos nativos americanos.

Além disso, não há esqueletos humanos nas Américas mais velhos do que os da cultura Clóvis; as idades da cultura Solutrense na Europa e da Clóvis nas Américas são amplamente separadas.

O arqueólogo brasileiro Walter Alves Neves, responsável pelo estudo de Luzia, o esqueleto humano mais antigo do continente americano, não quis emitir opinião sobre o livro.

Questionado pela BBC Brasil sobre a nova teoria de Bradley e Stanford, afirmando que os europeus foram os primeiros moradores do Novo Mundo, ele disse desconhecer a hipótese publicada recentemente nos Estados Unidos.

Bradley, por sua vez, considera positivas as críticas a sua teoria. Esse é o caminho natural, diz ele, com a colaboração dos críticos trazendo provas adicionais ou interpretando os indícios atuais.

Segundo Bradley, a arqueologia raramente produz certezas. "Sentimos que as descobertas atuais são muito atraentes, mas para esta teoria ganhar aceitação esmagadora é preciso haver provas adicionais", disse.

O livro é resultado de mais de uma década de trabalho. Stanford e Bradley afirmam que estão apenas no início da jornada e seguem investigando outros locais no Tennessee, em Maryland e no Texas, onde esperam encontrar mais provas que sustentem a teoria. Também estão programadas pesquisas no Maine e na costa oeste americana.

Mas é possível que a maior quantidade de indícios venha do fundo do oceano - nas áreas onde os europeus teriam saído do gelo para a terra seca, atualmente cerca de 160 km abaixo do nível do mar.
Em meados deste ano, Bradley estará em São Paulo e, possivelmente, no Uruguai, para pesquisar indícios de povos primitivos ao longo do lado oriental do continente.

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