15/07/2010
Esses mandamentos foram construídos para o professor do Ensino Básico brasileiro (caso ele ganhasse, no mínimo, 21 reais a hora aula)
1. Ter o domínio do que pretende que seja aprendido. Há um ditado popular que diz “que quem não sabe ensina”. O bom professor prova que esse ditado está errado, só quem realmente sabe, ensina de modo efetivo a ponto de o aprendizado ser completo. O aprendizado se dá não se o estudante sabe repetir enunciados sobre o que ouviu, mas se, de acordo com os conteúdos que foram ensinados, opera com eles em sua vida por meio de comportamentos e hábitos que passa a ter, e que antes não tinha.
2. Ter a capacidade de se colocar no lugar do aluno, ouvindo-o e levando-o a sério. Muitos adultos, pais e professores fazem “café com leite” das crianças. Jogam com eles através de artifícios. Esses artifícios começam cedo, quando elas são pequeninas (deixando-as ganhar em jogo que elas não entendem etc.) e, depois, erradamente, se mantém na escola. Eis então que toda a arte da conversação se torna falsa e mais falsa ainda quando a didática é artificial. O aluno percebe logo que esses adultos vivem na artificialidade e, então, identificam também no professor e na escola essa situação “de brincadeirinha”, ele ou se revolta ou se adapta de modo pouco produtivo ou aparentemente produtivo.
3. Saber convencer. O bom professor é alguém que “vende o seu peixe” ou “ganha o aluno para o seu negócio”. Não se ensina por meio de frases doutrinárias ou textos excessivamente posicionados que se negam a oferecer boas razões do que defendem. A conversação em sala de aula é um “dar e receber razões”. O professor é uma pessoa persuasiva ou não é professor. Mas a persuasão do professor não é qualquer uma, ela é feita por mostrar razões e ele ensina por meio de solicitar razões.
4. Ser razoável. Uma das coisas mais difíceis para o professor é ser razoável. Em geral ele ou cria situações que são impossíveis do aluno cumprir, que ele próprio, professor, não conseguiu e não conseguiria cumprir em situação normal, ou então ele adota a postura de “passar a mão na cabeça”, tomando os alunos como incapazes e facilitando o serviço deles para além da conta. Na sala de aula o professor faz o jogo de “dar e pedir razões” quanto ao conteúdo, mas na postura geral quanto aos alunos vale sua capacidade de ponderar, perante si mesmo, se ele realmente é uma pessoa razoável ou apenas alguém inconseqüente.
5. Ter grande percepção de si mesmo. O bom professor é um analista de si mesmo. Estou bem vestido para ir dar aula? Minha voz é boa? Estou atento aos alunos ou sou desleixado? Sou capaz de admitir quando erro? Gosto da atividade de professor? Tenho capacidade de não me deixar levar por impulsos meus, e inclusive por complexos psicológicos? Tenho mesmo a capacidade de ajudar os alunos ou sempre acho que há algum caçoando de mim, e quero prejudicá-lo. Trabalho antes por vingança contra aluno que por entender que faço parte de um grupo de elite que é “formador de opinião”? O professor que não consegue ser sincero para si mesmo diante dessas perguntas, que não consegue se preparar com isso, nunca será um bom professor. Preparar a aula é, antes de tudo, preparar a si mesmo.
6. Ter capacidade de compreender a profissão. O bom professor conhece a dimensão pedagógica, política e sindical de sua profissão. Na dimensão pedagógica, ele é alguém que não se admite despreparado para uma aula. Se não sabe, busca aprender. Na dimensão política, ele sabe que é um cidadão com o qual a sociedade conta como mais qualificado que outros, que é dele que se espera a vinda das idéias para as melhores mudanças. Na dimensão sindical ele mostra conhecer a legislação que rege o ensino e também a que rege a sua própria carreira. Está sempre pronto para atuar na articulação entre necessidades sindicais e necessidades pedagógicas. Não é bom professor aquele que nunca leu um bom manual de filosofia e história da educação brasileira.
7. Ser um leitor consciente. O bom professor não tira a cópia Xérox e nem incentiva o Xérox que, aliás, é crime. Ele valoriza o livro, educa seus alunos para terem uma mini-biblioteca, a freqüentarem livrarias presenciais ou virtuais. Fomenta o gosto pela leitura e, principalmente, ensina seus alunos a ler no sentido da ampliação do texto, não no sentido do “fichamento” ou “resumo”. Ele próprio é um leitor atento para todas as variáveis do texto, para o autor, jamais opinando somente porque leu o título ou fazendo do texto um pretexto para falar sobre outro assunto que não aquele que diz comentar. O professor de “cabeça cheia”, ou seja, aquele que só tem uma idéia e tudo que lê absorve segundo aquela idéia, gerará alunos frustrados ou então alunos limitados como ele.
8. Ser um desbravador criativo. Alunos são crateras ferventes, em vários níveis. Na adolescência, o vulcão entra em erupção. O professor não deve temer isso. Ele também foi criança e jovem. Não pode temer o seu passado. Deve compreender suas angústias e verificar se conseguiu superá-las. Caso tenha conseguido, poderá indicar caminhos para os alunos. Caso não tenha conseguido, deve se precaver para não perder o autocontrole diante dos problemas dos alunos que, enfim, o fazem lembrar que ele também não superou sua adolescência. Em um determinado nível, nunca somos adultos. No entanto, como professores, devemos saber quando é que o problema do aluno é o nosso, e como que não podemos nos perder nessa possível confusão. A conversa com os jovens fora da sala de aula, tentando compreendê-los, pode manter a profissão em seu exercício possível, diário, difícil, às vezes até perigoso. Entrar em novos campos exige capacidade criativa. Enfrentar a vida é para quem tem imaginação.
9. Ser capaz de fazer do aprendizado uma tarefa coletiva e desafiadora. A pior situação que o professor pode criar é aquela em que ele não consegue mostrar que os problemas que irá tentar resolver em sala de aula, durante o ano letivo, não são só dele ou “da escola” ou “para cumprir etapa”. Os problemas são problemas de todos. São desafios que devem ser postos para toda a classe que o professor tem diante de si e para ele mesmo. Posto um problema, o professor deve convidar os alunos a enfrentá-lo junto com ele, pois se trata de um problema de todos – real problema de todos. Ninguém escapa de problemas que se universalizam e que, por isso, são também particulares, que estão acontecendo com cada um de nós. Compreendido isso, então o problema ou “a matéria” se torna um desafio interessante e válido para o estudante. Do mesmo modo que ela o é para o professor – ou deveria ser.
10. Ser curioso. O professor é curioso ou não é nem nunca será professor. O professor que toma o assunto que irá ensinar não problemático, sem algo que desperte sua curiosidade e, então, seja capaz de aguçar a curiosidade do aluno, inclusive sua imaginação, não tem qualquer habilidade para ser professor. Deve desistir.
©2010 Paulo Ghiraldelli Jr. filósofo, escritor e professor da UFRRJ
Fonte: Blog do Filósofo
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