segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Eles poderiam pagar, mas colocaram o filho em escola pública

Embora raros, há casos de famílias de classe média e alta que preferem matricular as crianças em instituições públicas

Cinthia Rodrigues, iG São Paulo
11/10/2010 07:00

Como a maior parte dos irmãos em idade escolar, Ian, de 11 anos, e Ana, de 14, têm rotina muito parecida. Ambos estudam em tempo integral e além do currículo comum fazem aulas de artes e esportes na escola que frequentam. A diferença é que a instituição particular na qual ele estuda custa R$ 800 e a dela é pública. “Para a gente, o dinheiro nunca foi o fator determinante”, diz o pai, o psicólogo Mauro Fini.

A família faz parte de um pequeno grupo que, embora tenha condição financeira de bancar escola particular, prefere uma pública – possibilidade desconsiderada pela maioria dos integrantes das classes A e B. Em alguns casos, o motivo é a admiração por uma unidade diferenciada, em outros, a decepção com o sistema privado e, quase sempre, há uma dose de ideologia e politização.

“Eu e minha mulher estudamos em escola pública a vida inteira e não tínhamos reclamações”, afirma Fini. Ainda assim, os filhos foram matriculados primeiro no sistema privado, mas como as crianças mostravam pouco interesse pelos estudos, a opção foi revista. “Tentamos duas particulares e via nelas mais performance visual do que preocupação pedagógica. Sentíamos falta do que tivemos na nossa infância”, conta.

Só então, ele e a esposa foram conhecer as escolas estaduais próximas ao Sumaré, bairro onde moram em São Paulo. “Quando vimos os corredores e as salas sem nada demais, primeiro foi um pouco chocante, mas depois pensamos que o que importaria seria o ensino e que era hora de tentar”, disse.



Ana, que ingressaria na 5ª série, foi matriculada na EE Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, passou a se interessar mais pela escola, entrou para o grupo de teatro e agora está prestes a se formar no 9º ano. Ian foi para a EE Faria Lima, não gostou e, após um ano e meio, foi transferido para uma privada. “O que me importa é que cada um está feliz onde está. As pessoas acham que, porque pagam, o serviço é bom, e perdem a oportunidade de conhecer algo que pode, ou não, ser até melhor”.

“Todos já pagamos pela pública”

A mesma escola que não agradou Ian Fini tem feito sucesso com seu chará Ian Cabral, de 8 anos, e o irmão mais velho Arthur, de 10 anos. Os dois frequentaram instituições particulares renomadas no Rio de Janeiro e em São Paulo e, para a surpresa da mãe, Vanessa Cabral, não aprenderam o esperado. Cansada de questionar a metodologia dos colégios privados, ela passou e se perguntar por que não tentava o sistema público. “Embora me sentisse bem indo buscar as crianças ao lado de atrizes globais, tive que procurar outra opção e pensei: todos já pagamos pela escola pública, se usássemos pelo menos poderíamos criticar com propriedade”, conta a criadora do blog Escola Pública Não É De Graça.

Na nova instituição, ela encontrou defeitos e qualidades, mas o que a surpreende é a reação dos amigos de classe média e alta. “Ouvi outro dia: você não tem nojo? Essas escolas do governo parecem tão sujas. Você deixa seus filhos comer a comida da escola? Não tem medo que peguem doença? Eu aguento porque chego em casa e eles vem me contar animados o que aprenderam.”

“Particular é para milionário ou problemático”

A produtora Danae Stephan confessa que já teve o mesmo preconceito relatado por Vanessa. Desde que Alesio, hoje com 8 anos, nasceu, ela só pensava em qual particular matricularia o filho, mas o ex-marido, que é italiano, não conseguia entender e achava que aquilo privaria a criança de ter contato com o mundo real. “Para ele, que tem a visão europeia do assunto, o sistema privado é só para milionário e crianças com muitos problemas de comportamento”, lembra.

Relutante, ela começou a prestar atenção nas públicas e conheceu a Emef Amorim Lima, no bairro Butantã, em São Paulo, escola em que turmas de séries diferentes trabalham juntas e os alunos têm grande autonomia. “Ele ainda nem estava na idade e eu já reservava a minha vaga”, conta.

Danae e Alesio gostaram tanto da escola que mudaram de endereço para ficar próximos dela. “Morava no Alto de Pinheiros e todos os dias perdia uma hora para levar e outra para buscar. Quando venceu o contrato do meu aluguel, não tive dúvidas, fui morar lá perto.” A empolgação contaminou a irmã e parceira de trabalho, Dafne Stephan, que transferiu o filho Carlos Eduardo, de 11 anos, de uma instituição particular para a escola municipal. “Aqui é muito mais legal”, afirma o menino. “Não fico copiando da lousa, e sim escrevendo o que entendo e a gente aprende com os amigos que pensam de outro jeito e chega a um acordo”, diz.

Dafne afirma que percebe dificuldades estruturais, mas o ganho em diversidade compensa. “Não quero criar meu filho em uma redoma. Fico muito feliz que ele tenha oportunidade de entender pessoas com vida diferente e eu mesma, que passei a participar bastante da escola, também ganhei”, conclui Dafne.

Preocupações que norteiam escolha

Para a mestre em sociologia da Universidade de São Paulo (USP), Caren Ruotti, a maior parte dos pais que podem preferem pagar particular por garantias de qualidade que a pública não oferece. “Eles acompanham aprovação no vestibular e as avaliações e não querem arriscar dar menos chances para seus filhos”, diz. No Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2009, por exemplo, a média do sistema privado para a 4ª série é de 6,4, dois pontos acima da rede pública.

O Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro é uma exceção que comprova a regra. Pais de classe média entram na fila ao lado dos mais pobres para disputar uma vaga por sorteio na escola pública que obteve nota 7,1 no mesmo Ideb. “Se não fosse sorteada, colocaria meus filhos em uma particular”, diz a psicóloga Patrícia Tavares de Oliveira Simões. “Só estão lá porque é uma escola muito diferenciada, com professores ótimos e muito bem formados. Não acredito que possa encontrar isso em uma municipal ou estadual comum”.

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