sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O FIB (FELICIDADE INTERNA BRUTA) É MAIS IMPORTANTE QUE O PIB


COMO EXPORTAR FELICIDADE

Texto e fotos: Haroldo Castro
Um pequeno reino no Himalaia ensina
ao mundo como ser feliz

"A Felicidade Interna Bruta é mais importante do que o PIB. Em nosso processo de desenvolvimento, a felicidade precede a prosperidade econômica." Jigme Singye, rei do Butão, em entrevista ao Financial Times

Uma nação encravada na Cordilheira do Himalaia está revolucionando alguns conceitos básicos da vida humana. Ao criar um novo índice para medir a qualidade de vida de seus habitantes, o Butão oferece uma receita inovadora para nosso mun­do de hoje, demasiadamente ancora­do em aspectos materiais.

Tudo começou com Jigme Singye Wangchuck, que substituiu seu pai como o rei do Butão, em 1972. Ele ti­nha apenas 17 anos de idade. Sua co­roação, dois anos mais tarde, marcou o fim do isolamento do pequeno pais (menor que o Estado do Rio de Janei­ro), escondido nas montanhas. De fato, até então, nenhum es­trangeiro tinha autori­zação para entrar no reino, a não ser quan­do convidado pela fa­mília real. A partir de 1974, o paraíso proi­bido começou a abrir as portas ao mundo.

Nos 34 anos de rei­nado, o desafio do rei Jigme Singye Wang­chuck foi o de equili­brar o desenvolvimen­to econômico com os valores culturais e espirituais da nação. Em 1987, respondendo a um repórter do jornal britânico Financial Times sobre a razão de o desenvolvimento no Butão caminhar a passos tão lentos, o rei teria respondido que "a Felicidade
 
Interna Bruta é mais importante do que o Produto Interno Bruto". E teria arrematado: "Em nosso processo de desenvolvimento, a felicidade precede a prosperidade econômica."

0 conceito de o bem-estar do indivíduo não estar obrigatoriamente relacionado com bens materiais passou a percorrer o mundo e chamou a atenção de estudiosos. Afinal, o índice Produto Interno Bruto (PIB), usado por todas as nações do planeta, sempre foi considerado limitado. 0 PIB é apenas uma fórmula que determina a quantidade total da produção e do consumo de serviços e bens por meio de transações econômicas. Pouco importa se a riqueza foi originada de guerras, prostituição e devastação da natureza ou é o resultado de um trabalho honesto e uma atividade sustentável.

Se algum bem é conservado e não é consumido, essa operação não é registrada no PIB, pois esta não gera um valor específico. Por exemplo, uma floresta mantida in­tacta não entra no cálculo do índice, enquanto o conserto de um veículo aci­dentado (que pode até ter provocado vítimas fatais) é contabilizado. O PIB não consegue medir o trabalho volun­tário e chega a ampliar a discrimina­ção contra as atividades não-remune­radas, cujas motivações estejam acima do ganho financeiro.

"As medidas do PIB não medem a degradação do meio ambiente, o esgotamento dos recursos naturais nem o agudo declínio na qualidade de vida dos cidadãos. Acho que, em todos os espectros políticos, existe o reconhe­cimento dessas deficiências e a con­vicção que é importante desenvolver medidas mais adequadas", afirma jo­seph Stiglitz, economista reconhecido com o Prêmio Nobel 2001 de Econo­mia. Stiglitz foi convidado pelo presi­dente francês, Nicolas Sarkozy, para desenvolver um novo sistema de cál­culo econômico que possa incluir fa­tores de qualidade de vida.

As palavras de um rei (adorado por seus súditos) sobre a importância da felicidade foram levadas a sério pelos butaneses. Era preciso colocar em prá­tica o desejo real e o índice Felicida­de Interna Bruta (FIB) devia ser sis­tematizado. Em 1998, o conselho de ministros estabeleceu o Centro de Es­tudos do Butão, o qual passou a orga­nizar as informações sobre a FIB. O conceito também foi incluído nos Pla­nos Qüinqüenais e foi definido que a FIB deveria se apoiar em quatro pila­res: desenvolvimento socioeconômico sustentável e eqüitativo, conservação ambiental, promoção do patrimônio cultural e boa governança.

Enquanto isso, ao redor do mundo, um número crescente de economis­tas, cientistas sociais e empresários buscava outras medidas e indicadores que levassem em consideração não apenas o fluxo de dinheiro (como no caso do PIB), mas também a saúde, a cultura, o tempo livre dos indivíduos, a conservação da natureza e outros fatores não-econômicos.

Vários índices começaram a apare­cer na década de 90. O primeiro pas­so foi dado com o estabelecimento do índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Utilizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimen­to (PNUD), o IDH, além de incluir a renda per capita de um país, dá desta­que à expectativa de vida dos habitan­tes, ao grau de alfabetização e às rea­lizações educacionais.

Já o Indicador de Progresso Genuí­no (IPG) introduz em seus cálculos os fatores negativos criados pela socie­dade, os quais não são contabilizados pelo PIB. Por exemplo, a implantação de uma fábrica representa — indiscuti­velmente — um aumento no PIB de uma região. Mas se os benefícios tra­zidos pela nova empresa também vie­rem acompanhados por uma degrada­ção da saúde, da cultura e do bem-estar da comunidade, o resultado fi­nal pode ser zerado, anulando os be­nefícios econômicos trazidos. Segun­do os seguidores do IPG, existem vá­rios custos não-econômicos que de­vem ser incluídos, como o de uso dos recursos naturais, de perda dos ecos-sistemas, de poluição (sonora, do ar e da água), de criminalidade e, até mes­mo, de dissolução de famílias.

Outra tentativa de medir o bem-es­tar da sociedade, ainda menos ortodoxa, é o índice do Planeta Feliz (IPF), criado pela Fundação New Economics, um think-tank (usina de idéias) britâ­nico. Um dos componentes mais im­portantes do IPF é a eficiência ecoló­gica de uma nação e de seus indiví­duos. A idéia não é identificar o país "mais feliz" do planeta, mas sublinhar que é possível atingir altos índices de bem-estar e viver plenamente sem con­sumir excessivamente ou desgastar os recursos naturais.

Medir valores subjetivos, como a fe­licidade, é uma tarefa complicada, pois cada pessoa a compreende de forma distinta. Para alguns cientistas, a men­te funciona apenas como um aparelho que responde a estímulos externos. A felicidade, nesse caso, é percebida como uma conseqüência direta dos prazeres sensoriais registrados pela mente. Como estes são passageiros, a ênfase na busca de estímulos mate­riais é cada vez maior.
 
Já a filosofia budista aponta para ou­tra fonte de felicidade, aquela que tem origem em estímulos internos. E o es­tado em que o indivíduo vivencia o "ser", ao contrário de reagir apenas aos estímulos externos. A ciência compor­tamental comprovou que, de fato, a mente pode ser treinada por meio de práticas específicas (como a meditação) para promover estados duradouros de serenidade e contentamento. Quando a felicidade é compreendida dessa ma­neira, a busca desenfreada pelas sen­sações externas e o conseqüente con­sumo insustentável dos recursos natu­rais podem ser reduzidos consideravel­mente, promovendo uma economia mais saudável.

Segundo Karma Ura, presidente do Centro de Estudos do Butão, uma auto­ridade na pesquisa da FIB em seu país, a felicidade deve ser "um bem público, já que todos os seres humanos alme­jam alcançá-la". Ele acrescenta que "a busca da felicidade não pode ser deixada exclusivamente a cargo de esforços privados. Se o planejamento do governo e as condições macroeconômicas da nação forem adversos à felicidade, esse planejamento fracassará como meta co­letiva. Os governos precisam criar con­dições que conduzam à felicidade".
 
O primeiro-ministro do Butão, Jigmi Thinley, em discurso na Assembléia Ge­ral da ONU em setembro, explicou por que seu país instituiu a FIB. “É respon­sabilidade do Estado criar um ambiente que permita aos cidadãos buscar a feli­cidade." Ele considera que o ser huma­no deve ser visto de uma forma holísti­ca. "O bem-estar material é apenas um componente e este não assegura que os cidadãos estejam em paz com o am­biente e em harmonia entre eles."

Contando com o apoio incondicio­nal do monarca, a FIB passou a ser um elemento estratégico da política de planejamento do Butão e criou-se uma coleção de novos indicadores socioam­bientais. Um questionário com 1.300 perguntas foi elaborado e uma amos­tra da população respondeu ao teste. A pesquisa incluía as mais variadas perguntas, como quantas horas o in­divíduo dormia à noite ou quanto tem­po passava com amigos e parentes.

A convite do PNUD, Michael Pen­nock, diretor do Observatório para Saúde Pública em Vancouver, Canadá, passou três meses no Butão em 2006 para desenvolver um questionário mais "internacional" sobre a busca da felicidade. "O questionário butanês era muito longo, eram necessárias seis horas para ser respondido. Fui ao Bu­tão para criar uma versão menor, mais concisa, que pudesse ser respondida em 20 ou 30 minutos. Usamos apenas 100 variáveis para indicar os níveis de satisfação de um indivíduo no seu co­tidiano", diz Penncock.
 
Os pilares da FIB no Butão foram "ocidentalizados" e passaram a ter nove dimensões. Além das quatro ini­ciais — bom padrão de vida, boa governança, proteção ambiental e pro­moção da cultura — foram adicionados outros cinco itens: educação de quali­dade, boa saúde, vitalidade comunitá­ria, gestão equilibrada do tempo e bem-estar psicológico.

-Foi preciso dar pesos diferentes para cada área, em cada país. Para países mais pobres, enfatizamos as ne­cessidades materiais. No Butão, um peso maior foi conferido ao aspecto cultural — o que não acontece no Canadá, uma nação multicultural por na­tureza", explica Penncock.
 
O conceito da FIB já chegou ao Bra­sil. No final de outubro, o butanês Kar­ma Ura se reuniu em São Paulo com empresários interessados em susten­tabilidade, deu palestras na Unicamp e na USP e participou da I Conferên­cia Brasileira sobre a FIB. Apesar de ter estranhado o clima quente e úmi­do, Ura adorou o calor humano brasi­leiro. "Tenho certeza de que o concei­to da Felicidade Interna Bruta vai ser bem aceito no Brasil. Vocês sabem o que é ser feliz."

Haroldo Castro viaja como jornalista, fotógrafo e conservacionista.
Ele é o fundador do Clube de Viajologia e já documentou 138 países.


haroldo@viajologia.com.br

http://www.viajologia.com.br/
 
 
Fonte:   Blog Diacrianos

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