segunda-feira, 2 de abril de 2012

Por que mentimos?

 

A mentira é essencial na construção das sociedades. E os humanos não são os únicos a desfrutar deste artifício



Rafael Bergamaschi, iG São Paulo


Foto: Thinkstock Ampliar
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Como seria o mundo se ninguém pudesse mentir? Todos os políticos cumpririam suas promessas, ninguém manteria segredos e traição seria algo inexistente. Ao mesmo tempo, verdades inconvenientes, como o que as pessoas realmente pensam sobre seu peso ou seu cabelo, seriam ditas sem pestanejar. Normalmente vista como a vilã dos relacionamentos pessoais, a mentira existe porque nos ajuda a cumprir um propósito essencial: a convivência em sociedade.

De acordo com Mônica Portella, psicóloga e autora de “Como Identificar a Mentira”, são dois os principais motivos que levam as pessoas a mentir: proteger-se de uma possível consequência negativa de nossas ações e preservar a autoimagem. Ou seja, quando sabemos que nossa posição poderá sofrer reprovações ou sanções, optamos por faltar com a verdade.

Já o professor de filosofia e historiador David Livingstone Smith, autor do livro “Why We Lie: The Evolutionary Roots of Deception and the Unconscious Mind”, algo como “Por que mentimos: as raízes evolutivas do engano e o inconsciente” em tradução livre, enxerga outra motivação essencial para os mentirosos.

“Mentimos para conseguir coisas que seriam mais difíceis de obter de outra forma”, diz Smith antes de completar: “mentimos em qualquer circunstância na qual manipular o comportamento do outro pode ser vantajoso para nós”.

“Mentimos em qualquer circunstância na qual manipular o comportamento do outro pode ser vantajoso para nós”.

No filme “O Primeiro Mentiroso”, de 2009, é por este caminho que segue o protagonista Mark Bllison (Ricky Gervais). Mark vive em um mundo onde ninguém sabe mentir. Um dia, depois de ter sido demitido e de ter tido um encontro frustrado com a garota dos sonhos, ele mente para o atendente do banco em relação à quantia que deveria ter ali. Pronto. A enganação seria a primeira de muitas, que envolveriam, inclusive, a habilidade de falar com “o homem lá em cima”, uma espécie de Deus. Mark seria a primeira pessoa a conseguir enganar o próximo. Apenas quando sente-se acuado é que ele descobre sua capacidade singular.

Mark agiu por impulso e, embora não conhecesse o conceito de mentira, mentiu conscientemente. Segundo Smith, no entanto, boa parte das mentiras é proferida inconscientemente. “Algumas vezes, quando mentimos, não temos consciência que estamos fazendo isso. Em outras palavras, mentimos até para nós mesmos”.

Foto: Divulgação Ampliar
No fundo do poço, protagonista de "O Primeiro Mentiroso" mente
 para ascender socialmente


Será que já aconteceu conosco algo parecido com o que acontecia com os habitantes do mundo de Mark, no filme “O Primeiro Mentiroso”? Será que já vivemos uma época em que ninguém sabia mentir até que alguém descobriu os poderes da dissimulação? Não. Mônica e Smith concordam que mentir é algo natural para os seres humanos.

“Crianças com um ano já sabem mentir”, diz Mônica. “Muitas vezes a criança chora para conseguir algo em troca. Não é um sentimento genuíno”, completa. “Todos nós nascemos mentirosos”, complementa Smith.

Smith, inclusive, acredita que mentir não seja nem exclusividade da espécie humana. Segundo ele, animais e plantas usam de artifícios similares para conquistarem determinados objetivos. O historiador cita o exemplo de um tipo de orquídea cuja flor se assemelha às fêmeas da vespa. Ludibriado, o macho tenta copular com a planta e acaba levando o pólen de uma flor à outra. “A orquídea engana as vespas, produzindo uma espécie de pornografia animal”, brinca Smith.

“Também mentimos manipulando nossas aparências: ao usar maquiagem, fazer uma cirurgia plástica ou colorir o cabelo, por exemplo”.

É assim, de maneira mais ampla, que a mentira se manifesta no cotidiano. Mentiras verbais são acompanhadas de uma série de atitudes que, de uma forma ou de outra, têm como objetivo enganar. “Mentimos com nosso tom de voz, ao evitar dizer algo ou pela forma como movimentamos nosso corpo”, diz Smith. “Também mentimos manipulando nossas aparências: ao usar maquiagem, fazer uma cirurgia plástica ou colorir o cabelo, por exemplo”.

Sem tanta mentira e enganação, viver em sociedade talvez fosse inviável. “Se todo mundo falasse a verdade sempre, a vida social seria impossível”, diz Mônica. Para ela, as pequenas mentiras do dia-a-dia tornam viver suportável, pois não precisamos enfrentar verdades que nem sempre estamos prontos para encarar. “Viver seria um inferno”, concorda Smith. “Mentir é absolutamente necessário para manter a harmonia da vida social”, finaliza.

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