Professores escolhem a carreira por falta de opção, fazem faculdades que não os preparam e repetem o mesmo com os alunos
Mateus Prado - IG
O mundo muda a uma velocidade cada vez maior. Minha geração só chegou a
conhecer a Internet na idade adulta. Hoje, a Internet é realidade para boa parte
dos estudantes brasileiros, e dificilmente eles compreendem um mundo sem ela.
Além disso, a velocidade e a variedade das tecnologias, como celular, televisão,
cinema, rádio, jornal impresso, entre outras, é enorme. Tudo muda a toda hora.
Os jornais com menos textos. Os celulares com mais recursos. A TV e o cinema com
fotografias cada vez mais rápidas, na velocidade de vídeo clipes. Tudo isto
encanta, apaixona, conquista.
Especial sobre formação do professor:
E a escola? É certo que universalizamos o ensino fundamental e caminhamos
para a universalização dos demais níveis de ensino, mas de que forma?
Diria que, se alguém dormisse pouco antes da promulgação da constituição de
88 (que universalizou o fundamental) e só acordasse hoje, ficaria espantado com
a quantidade de mudanças no Brasil. Aumentamos a urbanização, os carros já não
são ‘carroças’, o computador tomou conta de escritórios, repartições públicas e
casas de classe média, as ‘Lan Houses’ pipocam nos bairros pobres, fogões,
geladeiras e telefones ficaram mais populares e há mais lares, no Brasil, com
celular do que com geladeira.
Porém, em um lugar esta pessoa que dormiu por anos se sentiria bem à vontade,
quase como se tivesse acordado de uma soneca. Este lugar é a sala de aula.
Na sala de hoje, como na de 25 anos atrás, ainda há um professor à frente e
um monte de aluno, em fileiras ou bagunçando. O professor ‘ditando’ um conteúdo
que alguém, por algum motivo distante do pedagógico, provavelmente para vender
mais livros e apostilas, acha que é importante.
O mundo muda rápido, e a escola estacionou. A universalização da educação, no
Brasil, nada mais é do que uma tentativa, fracassada, de reproduzir o modelo de
quando a escola era para poucos. Não dá pra ser assim. Esta educação bancária,
em que se deposita conteúdos na cabeça dos alunos, ainda é herança do
iluminismo. Da mesma forma que acreditava que todo conhecimento poderia ser
colocado em um livro, os iluministas acreditavam que podia ser transferido para
uma pessoa (e esta é a lógica da sala de aula até hoje).
Só que um cidadão médio, no iluminismo, somando todo conteúdo que sabia,
conseguia colocá-lo em cerca de cinco quilos de papel. Hoje, cinco quilos de
papel, de conteúdo, é menos do que a edição de domingo do New York Times. Se
compararmos com a Internet então, e todo o conteúdo que existe nela, estes cinco
quilos são muito pouco. Se antes, com menos conhecimento disponível, tinha algum
sentido ensiná-los, agora não tem sentido nenhum.
Ao erro na opção de modelo de escola, somam-se outros. A universalização
aumentou consideravelmente a proporção da população em carreiras na educação,
com salários baixos sob a justificativa de que não dava para sustentar a
ampliação do sistema com salários competitivos. Dois tipos de profissionais vão
trabalhar com educação. Um é o de vocação, que escolheu ser educador, que faz da
educação quase que uma atividade missionária. Estes são a minoria. O outro é
aquele que não encontrou lugar melhor no mercado de trabalho. É aquele que menos
se preparou, que escolheu faculdades e cursos mais fáceis e baratos que está na
educação pelo salário, mas que certamente se dedicaria a outra profissão se
conseguisse uma remuneração maior.
Todos estes educadores, sem contar com milhões de prováveis talentosos
professores que optaram por outras carreiras, receberam uma realidade bem
diferente de quando a escola não era para todos. Se antes todos os alunos,
provenientes da classe alta e média, iam à escola com um vocabulário razoável,
com conhecimentos prévios ajustados com o conteúdo da escola, de famílias que
valorizavam a educação e acompanhavam seu rendimento, em sua maioria filhos de
mães que não estavam no mercado de trabalho e que podiam auxiliar no processo
educativo, hoje ficou tudo muito diferente.
O resultado óbvio da equação de professores despreparados, alunos com mais
necessidades e tentativa de reproduzir o modelo anterior é obvio. O fracasso.
Para atender à massa de pessoas interessadas em educação, que paga menos do que
outras profissões com exigência de nível superior, mas mais do que pra quem não
continua os estudos, proliferaram cursos de magistério, pedagogia e
licenciaturas. Sem qualidade na base, sem qualidade no topo. A mesma lógica que
afasta pessoas de vocação do ensino básico afasta do ensino superior. A
concessão política do funcionamento de várias faculdades e universidades criou
um péssimo sistema de formação de professores. Algumas raras exceções,
geralmente nas universidades públicas, acabam mandando seus alunos direto para
as salas de aula de escolas particulares.
A formação superior dos professores não difere, na lógica de estruturação e
funcionamento, do que é a educação básica. Na educação superior as licenciaturas
não formam educadores, formam biólogos, gramáticos, matemáticos, físicos,
geógrafos, historiadores, etc. Incentivados pelo seu curso superior, cada
professor faz o mesmo na sala de aula. Tentam formar pequenos gramáticos,
geógrafos, matemáticos. É interessante notar que o professor de matemática, em
geral, não sabe nada de literatura, o de geografia não tem ideia do que sejam as
contas de física, o de história não se dá bem com matemática; mas todos querem
que aluno saiba tudo de sua matéria.
As formações dentro da escola, quando existem, seguem um pouco a lógica do
que são os coordenadores pedagógicos. Alguém lembra as atividades diárias de um
coordenador pedagógico? Em geral é fazer horário, ver quem faltou, atender pai
de aluno, intermediar conflito, substituir o diretor de escola, cuidar da
logística da feira de artes e/ou ciências, organizar logística da festa junina,
zelar pelo bom comportamento dos alunos, verificar preenchimento dos diários,
cobrar entrega de notas, preencher formulários burocráticos, ‘entregar’ o Plano
Político Pedagógico, entre outras atividades. Isto o coordenador não faz por
desejo, faz por necessidade. Se não fizesse, a escola sairia de controle.
Eu pergunto: O que tem de pedagógico em tudo isto? Nada, ou quase nada. Mas,
se isto é o que faz o coordenador pedagógico, nada mais natural que as formações
de equipe estejam voltadas às áreas do trabalho diário. A práxis (prática) leva
a isto, não a concordância do grupo. Parafraseando o educador Rubem Alves,
mineiro da minha querida cidade de Lavras, ensinar o voo não é uma coisa
possível. O voo (as capacidades cognitivas) já nasce com as pessoas, com os
educadores e com os educandos. O voo pode ser encorajado, nunca ensinado.
Em uma sociedade em transformação, com as redes sociais aceleradas pela
Internet, com conteúdo sendo produzido a toda hora e a todo momento, com
qualquer aluno podendo chegar a uma aula sabendo mais de determinado assunto do
que seu professor, com a necessidade de formamos pessoas com capacidades
múltiplas, não tem mais nenhum sentido ‘engaiolar’ professores e alunos,
levando-os de cá pra lá e de lá pra cá.
A essência do ser humano, do professor ou do educando, é o voo. E para
encorajar o voo é preciso usar todo tipo de ferramenta disponível no mundo
moderno. Não existe uma receita pronta em que computador mais internet, mais
programa educativo, mais sistema de ensino, mais lousa interativa, mais tablets
é igual a super educação. Não existe porque somos seres diversos.
Aí está a grande dificuldade em ser educador, e aí está o que não pode ser
ensinado. Cada grupo, ou até mesmo cada aluno, reage diferente a diferentes
estratégias de educação ou de ensino-aprendizagem. A organização atual no Brasil
atende sim alguns alunos, mas talvez nem 10% do total. A imensa maioria não se
sente atraída pela escola, não a reconhece como espaço de reconhecimento, de
afirmação identitária.
O grande desafio para os educadores é justamente poder preparar cada aula com
muito cuidado, usando tecnologias mais próximas do educando, fazendo da aula
anterior uma avaliação para a formulação da atual, não organizar a aula focado
nas necessidades dos ditos ‘melhores alunos’ da sala, considerar as diferenças
entre os educandos, fazê-la inclusiva e, mesmo assim, estar preparado para que
tudo que foi planejado dê errado e que a aula tenha que ir por um outro caminho,
muito diferente do planejado. Sim, é difícil, muito difícil. Mas não fazer isto
é aceitar que a educação seja instrumento de justificação das diferenças
sociais.
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