Por lei, um terço da carga horária do educador deveria ser para atualização, mas na prática tempo não existe ou é mal usado
“Estou há 23 anos em sala de aula. Durante todo
esse tempo não presenciei HTPC (Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo) que faça
justiça ao nome”. O desabafo feito pela professora Vilma Nardes Silva Rodrigues
expõe uma das principais dificuldades que o educador enfrenta para realizar um
bom trabalho: a formação interna na escola, que deveria ser rotineira, ora não
existe, ora se deturpa. A questão é tema da terceira reportagem da série do
iG sobre como o professor tem pouca chance de aprender a
ensinar.
Em tese, a carreira dos mestres é estruturada para que ele se recicle e
estude como ajudar seus alunos durante todo o tempo em que estiver na ativa. A
necessidade de aprender constantemente é tão clara – ao menos na teoria – que
existe legislação para garanti-la.
Por lei, um terço da carga horária remunerada do professor deve ser destinado
a atividades extra-classe. Cabe neste tempo a correção de provas e trabalhos e o
planejamento pedagógico, mas a recomendação do Conselho Nacional de Educação é
de que os profissionais se reúnam para discutir dificuldades e soluções
pedagógicas.
A maioria das redes públicas sequer cumpre a
lei. Em vez de reservar 33% do tempo para que os docentes se preparem e deem
boas aulas nos outros 66%, prefeituras e Estados esperam que os profissionais já
cheguem preparados. “As pessoas acham que o professor é um ser que nasce pronto.
Longe disso, todos os dias há um duro trabalho de buscar novas formas de ensinar
a partir do diagnóstico dos alunos, que também é trabalhoso”, diz Norman Atkins,
presidente da Escola de Educação Relay, nos Estados Unidos, e um dos principais
críticos ao ensino apenas teórico que os professores recebem.
Mesmo no tempo destinado à formação, poucas escolas se dedicam a encarar as
dificuldades pedagógicas que os professores estão enfrentando. “Por mais que
estas reuniões sejam marcadas, o conteúdo é sempre de informes sobre datas,
procedimentos e burocracias”, lamenta Vilma que dá aulas em escola estadual,
municipal e particular em Carapicuíba, na Grande São Paulo.
Ela conta que o tempo previsto fora de sala nas redes públicas - que não
chega a um terço das aulas, mas existe – sempre tem um roteiro definido por
governo ou direção. “Quando, muito esporadicamente, o tempo é para formação, a
equipe se reúne sem saber o que está ocorrendo com as turmas e o tema acaba
sendo um texto, uma apostila genérica, assuntos distantes do contexto da
aula.”
Em uma das melhores escolas municipais de São Paulo, a Desembargador Amorim
Lima, muitos professores estão prontos para admitir que não têm tempo suficiente
para formação. O iG acompanhou um dia de reunião na unidade
durante a semana de organização escolar, que antecede o início das aulas.
Os professores foram agrupados por módulos e passaram a maior parte do tempo
ajustando horários, turmas e como funcionaria a recuperação paralela. À tarde,
houve um exercício em grupo com a leitura de um texto sobre portfólio, proposto
pela consultora voluntária, Fátima Pacheco, uma das fundadoras da Escola da
Ponte (instituição em Portugal que conquistou alunos ao substituir a divisão
tradicional em turmas e disciplinas por projetos).
Todos estavam acostumados com a palavra portfolio no sentido burocrático, ou
seja, sabiam que se tratava de um documento sobre o desenvolvimento da aula que
deviam apresentar. Já o sentido pedagógico, de identificar o avanço e as
dificuldades de cada aluno, pegou de surpresa vários professores. Ao final, os
porta-vozes dos grupos admitiram que preenchiam o documento, mas não exploravam
sua função. “É algo que deveria ser trabalhado toda semana para que os
educadores pudessem se ajudar, mas a maioria das escolas que visito no Brasil
não usa bem”, comenta a consultora.
A diretora da unidade, Ana Elisa de Siqueira, reconhece as dificuldades de
formação. “O que posso lhe garantir é que nesta escola todos estão interessados
em fazer o melhor. A Fátima é benvinda e ajuda muito, mas são tantos problemas
para resolver, de toda ordem, que não conseguimos focar sempre no
ensino-aprendizagem.”
Apostilas expõem carência
A educadora Paula Lozano, autora de uma pesquisa para a Fundação Lemann sobre
o impacto da adoção de sistemas apostilados – que dão roteiros prontos para as
aulas – acha que o resultado é mais uma prova da falta de formação dos
professores. Segundo sua investigação, os municípios que usavam material
padronizado conseguiram melhores resultados que os demais, apesar da qualidade
questionável das apostilas e do impossível nivelamento que elas
pressupõem.
“Alguns sistemas eram bem ruins e, mesmo assim,
tiveram resultado melhor do que as aulas preparadas pelos docentes. Isso
significa que muitos educadores não conseguem organizar exercícios e atividades
para dar conta do conteúdo”, lamenta a educadora. Para ela, o Brasil devia
admitir a carência na formação do professor e ampará-lo mais enfaticamente. “Na
Finlândia, autonomia do professor é
ótima, todos sabem como dar aulas maravilhosas. Aqui, nem tanto.”