Filme “A Filha do Mal” estreia no Brasil e traz de novo o tema à tona; mas entre a ficcção e a realidade, o que é exorcismo?
Foto: DivulgaçãoAmpliar
Em "A Filha do Mal", personagem da brasileira Fernanda
Andrade é atormentada por demõnios
Andrade é atormentada por demõnios
Uma mulher jovem resolve sair em busca da verdade sobre sua mãe, que teria matado três pessoas durante uma sessão de exorcismo, enquanto estava supostamente 'possuída' por demônios. Por esse crimes, havia sido condenada e internada em um hospital psiquiátrico. Esta é a sinopse de “A Filha do Mal“, filme estrelado pela brasileira Fernanda Andrade, em formato de "pseudo-documentário", na linha da 'Bruxa de Blair', e que estreou na última sexta-feira (03) aqui no Brasil.
"A Filha do Mal", cujo título em inglês é "The Devil Inside" (O Demônio Interior), engrossa uma longa fileira de filmes sobre possessões demoníacas e exorcismo, que inclui desde clássicos, como "O Exorcista" -- e suas várias sequências -- até adaptações mais ou menos realistas de fatos reais, como “O Exorcismo de Emily Rose”, pautado na vida de Anneliese Michel, alemã, que se dizia possuída por cinco ou seis demônios e morreu misteriosamente em 1976, e o cerebral "O Ritual", com Anthony Hopkins, no papel de um exorcista veterano nada ortodoxo.
Embora a prática de rituais de expulsão de espíritos demoníacos seja admitida em quase todas as tradições religiosas, o cinema acabou tradicionalmente explorando o tema do ponto de vista da religião cristã.
E a Igreja Católica define exorcismo como a ação de extrair ou de expulsar demônios ou espíritos malignos que estejam habitando pessoas, lugares ou objetos. O meio empregado para expulsar esses espíritos do mal é um ato solene, um ritual de 'adjuração', no qual o exorcista convoca e obriga o demônio a submeter-se a um poder maior, 'jurando' em nome de Deus. A palavra 'exorcismo', aliás, vem do grego e justamente expressa esse ato de fazer jurar!
As várias formas como essa possessão se manifesta vêm alimentando a imaginação dos roteiristas e produzindo algumas das cenas mais horripilantes -- quando não francamente hilárias --, dos filmes de terror. Virar o pescoço 360 graus (a cena clássica de 'O Exorcista"), voar pelo quarto, dobrar o corpo em ângulos biológicamente impossíveis, vomitar rios de gosmas de todos os tipos, e o surgimento de sinais no corpo, como a cruz que aparece nos lábios da protagonista de “A Filha do Mal”, são algumas dessas aterrorizantes manifestações. Mas longe das telas, como funciona uma sessão de exorcismo?
“O que eu ouvia eram orações simples, daquelas ensinadas nos colégios católicos. Ao mesmo tempo, eram dadas orientações de cunho espiritual, do tipo ‘Senhor, que o Mal saia desse corpo, ela é uma serva que foi tirada do caminho pelo demônio’”. A descrição é da historiadora Denise Camargo*, 25, que passou, forçada pela mãe, por duas sessões de exorcismo na adolescência.
No caso de Denise, a manifestação de possessão demoníaca que justificou o exorcismo foi a sua recém-descoberta homossexualidade.
“Eu tive que ser exorcizada, pois tinha ‘saído do armário’ e essa revelação foi um choque para minha mãe, que havia um tempo tinha se tornado uma católica fervorosa”, diz, citando sua homossexualidade.
Denise não é católica, foi à igreja apenas algumas vezes, obrigada pela mãe. Depois das sessões, os conflitos entre mãe e filha só fizeram aumentar e, assim que pôde, ela foi morar sozinha. A relação com a mãe nunca mais foi inteiramente refeita.
O caso de Denise entraria na categoria de ‘exageros’, como deixa claro Silas Molochenco, teólogo com mestrado em Psicologia da Faculdade Teológica Batista, em São Paulo.
“Na verdade, a possessão mesmo é algo muito raro e refere-se especificamente a alguém que faz um pacto com forças malignas”, diz antes de acrescentar: “muitas vezes o que se chama ‘possessão’ é, em realidade, uma manifestação de algum distúrbio de ordem psiquiátrica como psicose ou esquizofrenia. Isso quando não é simplesmente uma característica da personalidade da pessoa”.
Os demônios podem atormentar os indivíduos de duas maneiras: por possessão e por opressão. A primeira é o tipo mais explorado no cinema: o espírito maligno se apodera do corpo da pessoa e assume o controle de suas ações. Na segunda situação, a força sobrenatural exerce influência apenas externa, assombrando a pessoa, sem possuí-la de fato.
Segundo Molochenco, as sessões de exorcismo nas religiões cristãs seguem sempre o mesmo padrão.
Dois ou três padres que possuam o “poder do discernimento”, ou seja, a capacidade dada pelo Espírito Santo de detectar forças demoníacas no corpo de alguém, se encontram com a pessoa que relatou problemas. Cada um tem o seu papel. “Um conversa com o demônio enquanto os outros dois oram. É na conversa que a libertação acontece”, diz. O processo dura, aproximadamente, uma hora e depois de passar por ele, a pessoa deve se sentir novamente no controle total de suas ações.
A ciência não acredita na possibilidade de forças espirituais encarnarem em seres vivos, portanto ‘possessão demoníaca’ não consta nem no “Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais” (DSM-IV), nem na “Classificação Internacional de Doenças” (CID). Na religião, por outro lado, a história é antiga.
Fragmentos de informações sobre rituais de exorcismos são encontrados entre egípcios e babilônios, que acreditavam que algumas doenças eram provocadas por demônios. No Velho Testamento e entre os judeus também existem múltiplas referências. Contam que o rei Salomão foi um grande exorcista e no Novo Testamentos, as menções a exorcismos praticados por Jesus Cristo são inúmeras. O próprio Cristo autoriza os apóstolos a expulsarem os demônios em Seu nome, resume Molochenco.
O ritual de exorcismo que é praticado hoje está descrito numa obra do século 17, que compila tradições que remontam aos cristãos dos primeiros tempos, o “Rituale Romanun”.
“O padre escolhido para fazer um exorcismo deve ser imbuído de piedade, prudência e integridade na vida”, diz um dos primeiros versículos da seção 13.
Exorcismo no século 21: sessões por telefone, Skype e YouTube
A repetição de gestos e rituais milenares e os métodos tradicionais de lidar com espíritos e seres malignos, convivem hoje com uma série de novas abordagens, apenas possíveis graças às novas tecnologias.
Além de muitos profissionais no assunto poderem ser encontrados pelas ferramentas de busca online e contatados por e-mail, agora é possível, inclusive, contratar o serviço à distância.
Desde 1997 nos Estados Unidos, o pastor evangélico goiano Carlos Oliveira, 51, vê na tecnologia um grande aliado para o exorcismo. “Não existe distância para Deus. Na maioria das vezes eu não vejo a pessoa, a menos que estejamos no Skype”, diz, antes de justificar: “os pedidos são muitos e nem sempre posso viajar para ajudar as pessoas pessoalmente. Já fiz várias libertações dessa forma”.
As pessoas encontram o pastor Carlos Oliveira através de um de seus dois websites (um em português e o outro em inglês), onde estão disponibilizados alguns vídeos, hospedados no YouTube, que mostram sessões realizadas pelo pastor.
Outros vídeos disponibilizados no site são tutoriais que ajudam o 'cliente' a “fazer o diagnóstico”, como explica Oliveira. “São para pessoas que não sabem se têm demônios”, diz. Ele garante que basta assistir os vídeos, para as forças malignas se manifestarem no corpo do espectador.
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Vídeos do pastor Carlos Oliveira, 51, fazem 'diagnóstico'
de possessões demoníacas
de possessões demoníacas
Já o método da católica polonesa Wanda Pratnika, 63, é um pouco diferente: ela não fala com o possuído, sequer o vê. O marido da exorcista, Michael, explica o processo que ela utiliza – Wanda não fala inglês. “Você pode nos contatar por telefone, e-mail ou fax, mas a ‘cura’ não é feita por nenhum desses meios. O espírito de Wanda deixa seu corpo físico e viaja no mundo espiritual até a pessoa possuída”. A cura, segundo eles, é certa. “Imediatamente a pessoa diz: ‘eu me sinto bem melhor agora’”.
E a demanda para este tipo de serviço é grande. Tanto Carlos Oliveira, quanto Wanda Pratnicka afirmam atender a uma média de 110 pessoas por mês cada um.
O brasileiro não atribui um preço fixo para seus serviços. “Eu não trabalho com taxa fixa, nosso ministério recebe doações. O valor fica a critério das pessoas. Quando eu gravo vídeos personalizados (vídeos nos quais ele fala especificamente com os ‘demônios’ da pessoa), coloco uma taxa de U$50 (R$87)”.
O escritório de Wanda cobra uma taxa de US$ 150 (R$ 260) pelo exorcismo acompanhado de uma assistência de três meses, durante os quais a pessoa pode ligar para tirar dúvidas e pedir ajuda. É possível contatar os serviços da polonesa em inglês, alemão, espanhol e, claro, polonês, mas a expectativa é expandir. “Estamos estudando a possibilidade de treinar pessoas que falam português. É uma quantidade imensa de pessoas que podemos atingir”, diz Michael.
* o nome da pessoa foi alterado para preservar sua identidade
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