Fobia social é um dos transtornos psicológicos mais comuns em todo o mundo e um dos menos reconhecidos e diagnosticados
Foto: Bia Alves / FotoarenaAmpliar
Clege Firmino: hoje, após diagnóstico e medicação, convivência
com outras pessoas melhorou
com outras pessoas melhorou
Clege Firmino nunca soube definir exatamente o que sentia. Para ela, se afastar das pessoas era um comportamento natural, repetido também em casa, pela mãe e pelos quatro irmãos.
“Nós não recebíamos primos, os parentes não visitavam a nossa casa”, relembra. Considerava-se apenas tímida e pouco sociável.
Em fase escolar, na hora do intervalo, preferia se trancar no banheiro a participar das brincadeiras infantis ou dividir o lanche e algum papo com os colegas. Ao ser impelida a responder alguma pergunta ela se sentia muito mal.
“Escrever na frente dos outros, então, era uma verdadeira tortura”, recorda.
Na adolescência, quase foi atropelada ao tentar atravessar a rua. “Tinha tanta vergonha, achava que as pessoas estavam me olhando. Então, não olhava para os lados. Ficava vermelha. Quase morri ao atravessar a rua sem checar se vinha algum carro”, conta.
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Nas tentativas – forçadas – de se aproximar de outras meninas, Clege ficava tão tensa que não conseguia sorrir.
“Eu fazia caretas, o sorriso não saia.”
O comportamento estranho a afastou ainda mais de outras pessoas e ela cresceu quase sem amigos e sem namorado.
“Com 21 anos decidi que ia beijar pela primeira vez. Fui a uma festa, tinha que ser ali. Sem coragem, bebi muito para poder conversar com um rapaz. Beijei, mas foi à base de muita cerveja”, lembra.
Festa de aniversário, Clege nunca teve. Ela conta que não gosta de comemorar e que fica nervosa até mesmo se outra pessoa está celebrando a data. Uma vez, ao descobrir que organizam uma festa surpresa para ela, simplesmente foi embora.
“Acho muito constrangedor e desconfortável. Eu não gosto de pessoas”, diz a funcionária pública carioca.
A solidão nunca a incomodou. Mas o suor excessivo, a taquicardia, a garganta dolorida, a boca seca e o ardor nos olhos e no rosto sim. Os sintomas, confundidos com condições como princípio de infarto ou estresse, a levaram a mais de dez médicos diferentes, sem nenhum resultado conclusivo.
Só depois dessa via-crúcis em diferentes especialidades é que foi encaminhada a um psicólogo. Clege descobriu então que todo o sofrimento não era fruto de uma simples característica pessoal, mas sim de uma doença, tratável e comum: a fobia social.
“Em geral, o paciente demora mais de 10 anos para ter um diagnóstico adequado. A procura por ajuda só acontece quando comorbidades como a depressão ou o abuso de álcool e de drogas aparecem”, relata José Alexandre Crippa, professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto.
"Alguns procuram se 'automedicar' por meio do álcool. Eu tentei. Mas, graças a Deus, não me tornei uma alcoólatra", revela Clege. Crippa confirma que a opção é realmente um recurso muito comum entre os pacientes.
O médico é autor do único estudo sobre a prevalência do transtorno de ansiedade social em universitários brasileiros – ele avaliou 2700 estudantes, de ambos os sexos e das mais diferentes graduações. A pesquisa demonstrou que 11% dos avaliados tinham o problema. Mas o mais agravante, segundo o pesquisador, foi notar que menos de 1% dos diagnosticados sabiam que tinham uma doença.
“Isso comprovou em números o quanto essa condição é subreconhecida. Por isso, também, as pessoas não buscam ajuda”, comentou.
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Embora pouco diagnosticada, a fobia social é uma das doenças psicológicas mais comuns: a prevalência na população mundial chega a 10%, enquanto os índices do Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), por exemplo, chegam a 0,8%.
“A própria natureza dessa condição faz com que a procura por um médico seja pequena. Os fóbicos se sentem intimidados e não vão procurar um especialista“, pondera Crippa.
Outro fator crucial é enxergar a fobia realmente como uma doença e não somente como um traço de personalidade. “Dificilmente se sabe que isso é um problema. As pessoas acham que é fraqueza de caráter e vão se sentindo piores por isso”, relata o professor da USP.
A fobia social distingue-se da simples timidez muitas vezes de maneira tênue. “A pessoa desenvolve um medo que traz prejuízos para a vida. Ela tem perdas sociais importantes e chega a apresentar sintomas físicos”, alerta Rodrigo Grassi de Oliveira, coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trauma e Estresse da PUC do Rio Grande do Sul. Os mais comuns são: taquicardia, tremores, falta de ar, suor frio ou excessivo, sensação de desmaio, gagueira, rubor facial, dores de cabeça ou de estômago e boca seca.
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Clege foi atrás de sua felicidade e, com terapia e medicamentos, leva uma vida normal
“Os tímidos não têm prejuízo social. Já os fóbicos desenvolvem a ‘evitação’: eles evitam a qualquer custo entrar em contato com outras pessoas”, explica Crippa.
Clege sabe bem do que os médicos estão falando. Ao conversar com outra pessoa, sua tanto que precisa se enxugar com uma toalha. Já foi embora correndo de um encontro com uma colega, sem explicações, de tanta vergonha. Perdeu a amiga. Na primeira entrevista de emprego, não conseguiu se controlar.
“Tremia tanto que o consultor me deu um copo de café e tirou as coisas de cima da mesa para que eu não sujasse nada. Claro que não consegui o trabalho”, conta.
"Timidez é uma coisa, todos têm um pouco, mas fobia social é realmente incapacitante. E se a gente não procurar algum tipo de tratamento, passa uma vida inteira sem viver", conclui.
Consequências
Estudos já identificaram que portadores desse transtorno ganham menos do que seus pares em condições semelhantes de escolaridade e idade. A dificuldade em lidar com o outro aparece como um fator negativo determinante em um ambiente de trabalho.
A doença traz consequências sociais importantes, que vão além do ambiente corporativo. Quem tem a doença tem mais propensão ao suicídio e ao uso constante e abusivo de álcool e drogas.
A fobia social é mais comum em mulheres – na proporção de três para dois – e dá sinais significativos já no começo da infância. No entanto, fica mais evidente aos 20 ou 30 anos, quando muitos desenvolvem depressão.
“É o momento de maior exposição e a pessoa ainda está em processo de desenvolvimento. Por isso, não consegue controlar as respostas fisiológicas. É quando se depara com a doença”, aponta Grassi.
A fobia social não é hereditária, mas tem um componente genético importante, além, é claro, do padrão familiar.
“Toda criança nasce com a habilidade de se conectar com outras pessoas, só que isso precisa ser estimulado. Quando não há estímulo na família, ela pode se tornar inábil nessa área”, atesta o coordenador da PUC.
Melhorar é possível
O tratamento mais eficaz exige atenção multidisciplinar, aliando terapia cognitivo-comportamental (psicoterapia) ao uso de medicamentos (psiquiatria). De acordo com Crippa, o mais comum é o uso de antidepressivos – a médio e longo prazo – e a curto prazo remédios que possam atuar em alguma situação específica, no caso de uma exposição em público, por exemplo.
Para Clege, a medicação e a terapia trouxeram à tona o que há de melhor nela: a confiança e o respeito por si mesma.
“Acabou a tremedeira, posso comer junto com as pessoas, conversar ficou mais fácil. Sinto um alívio imenso. Quando você não se impõe, é desrespeitado. Estava paralisada e aos poucos tomo atitudes. Ainda não gosto de ir a festas, mas não perco a aula de dança de salão. Espero que as pessoas com quem convivi, que careceram do meu calor humano, entendam que minhas atitudes não foram por querer, foram realmente por incapacidade. Hoje aprendi a respeitar os meus limites e viver bem com eles”.
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