Escolas federais são bons modelos, mas difíceis de replicar
Destaque em avaliação internacional, rede federal tem professores muito bem pagos, infraestrutura cara e seleção de alunos
Cinthia Rodrigues e Priscilla Borges, iG São Paulo e Brasília
Professores com pós-graduação e bem remunerados, infra-estrutura de ponta e, em alguns casos, seleção de alunos. Essa é a receita da rede federal de educação que tradicionalmente se destaca no País. No último índice conhecido em 2010, o destaque foi internacional. Os resultados dos colégios militares e institutos federais, que compõem o sistema federal, colocaram os estudantes destas escolas entre os melhores do mundo no Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Pisa). Os desempenhos obtidos por eles foram superiores aos obtidos por França, Estados Unidos, Israel e Canadá e só ficaram atrás de Japão, Coréia, Cingapura, Finlândia, Hong Kong e Shangai.
O Ministério da Educação (MEC) fez questão de divulgar os resultados obtidos pela rede federal em separado para mostrar que o Brasil consegue oferecer ensino público de qualidade. Porém, os diferenciais deste grupo vão muito além das carências primárias da rede pública comum.
O primeiro ponto de divergência é o investimento. Enquanto o gasto médio com cada aluno desta etapa de ensino da rede pública de Estados e municípios foi de R$ 2.317 em 2009, a média de investimento por aluno nos institutos federais foi de R$ 7,2 mil no mesmo período. Nos colégios militares, o investimento foi bem maior: R$ 14 mil. Com mais recursos, essas escolas conseguem oferecer equipamentos, laboratórios, bibliotecas, computadores, aulas de dança e atividades esportivas. No caso dos institutos, formação técnica e profissional no turno contrário ao das aulas.
Professores muito bem pagos
Além disso, podem investir na formação de professores e pagar salários bem mais altos. A média de um docente da educação básica no País é de R$ 1,5 mil, segundo o MEC. Quem consegue entrar nos concorridos concursos públicos dos institutos federais começa a carreira ganhando R$ 4 mil. Um doutor chega a receber R$ 11,7 mil por mês. Os gestores da rede federal, por tudo isso, já esperavam os bons resultados.
O diretor do Instituto Federal de São Paulo, Carlos Alberto Vieira, explica que a instituição vai do ensino médio integrado ao técnico até a pós-graduação. "Os professores são contratados para o instituto e podem dar aula tanto aos adolescentes quanto no mestrado. São profissionais muito bons", explica.
Getúlio Marques Ferreira, secretário adjunto de Educação Profissional e Tecnológica do MEC, foi aluno, professor e diretor de institutos federais. Ele reconhece que a valorização da carreira dos professores, que possuem planos bem definidos de crescimento e encontram boa estrutura de trabalho, é um ponto central para o sucesso das escolas federais. Mas defende que a preocupação com uma formação mais ampla é o grande diferencial da rede.
“A estrutura de laboratórios, biblioteca, quadras esportivas e de lazer permite que o aluno permaneça na escola os três turnos. A formação integral do indivíduo é o que nos orgulha. Nosso objetivo não é manter uma formação tecnicista”, ressalta o secretário.
Para o Exército, esse também é um dos aspectos fundamentais para o sucesso dos colégios militares. Os estudantes têm inúmeras atividades disponíveis, como clubes de estudo, atividades de música, dança e esportivas.
Para poucos
Hoje, há 38 institutos federais funcionando no País, responsáveis por 354 unidades acadêmicas espalhadas em capitais e cidades do interior. Segundo Ferreira, eles são responsáveis pelo atendimento de 348 mil alunos. Até 2014, a expectativa é atender 500 mil jovens.
O sistema de colégios militares é composto por 12 instituições, que ficam nas cidades de Santa Maria (RS), Porto Alegre (RS), Curitiba (PR), Rio de Janeiro (RJ), Juiz de Fora (JF), Belo Horizonte (MG), Salvador (BA), Recife (PE), Fortaleza (CE), Brasília (DF), Campo Grande (MS) e Manaus (AM). Juntos, eles atendem cerca de 14 mil alunos. O calendário e a proposta pedagógica é a mesma em todos eles.
Além de pouco numerosas, essas escolas não atendem qualquer aluno. No caso dos institutos federais, há prova de seleção para distribuir as vagas que chegam a ter concorrência de 70 inscritos por vaga. “Com certeza, o fato de pegarmos os melhores tem impacto, mas acredito que ele não é maior do que a estrutura oferecida pela escola”, pondera Ferreira. Vieira concorda. "Nossos alunos da Educação de Jovens e Adultos entram sem seleção e também têm resultado diferenciado", alega.
Alunos dizem que fazem a diferença
Os alunos pensam diferente. Para a maioria, o diferencial é a seleção, tanto de professores, quanto deles mesmos. "Aqui todo mundo tem um grande interesse em aprender", comenta Laerte Vidal Júnior, de 17 anos, que estudou em escolar particular antes de ser aprovado na seleção do Instituto Federal de São Paulo. O colega Ricardo Oba Costa, da mesma idade, é uma amostra do interesse pelo conhecimento. "Estou fazendo técnico em informática para aprender mais conteúdos da área de exatas. Pretendo cursar filosofia ou sociologia e sou realmente bom nas áreas de humanas, por isso vim para cá, para me ensinarem o que eu não sei", comenta.
Os amigos Caio Nery, de 17 anos, e Carolina Costa Silva, de 18, também acham que os alunos são o grande diferencial. Os dois estudaram o ensino fundamental em particulares, e ela chegou a fazer um cursinho para passar no Instituto Federal de São Paulo. "Sempre quis o melhor. O fato de todos aqui serem inteligentes, bem preparados e interessados faz as aulas renderem mais e os professores poderem ir mais longe", avalia ela.
No caso dos colégios mantidos pelo Exército, 70% dos alunos são filhos de militares (que ainda estão na ativa) e entram sem provas de seleção. Os outros 30% são civis ou militares que precisam passar em concurso. A prioridade das vagas nas escolas é para os estudantes que são transferidos de cidade com os pais.
Perspectivas ampliadas
Para Ângela Menezes, diretora do campus de Planaltina do Instituto Federal Brasília, o papel das escolas federais mudou ao longo dos anos. Inicialmente, o objetivo era colocar jovens de baixa renda no mercado de trabalho, os ajudando a definir uma profissão. Com o destaque que a rede ganhou nos últimos anos, o público e a disputa por vagas mudaram. “Os alunos sabem que, além de sair daqui com uma perspectiva profissional, eles podem ser aprovados nos melhores vestibulares do País e continuar sua formação”, comenta.
No campus de Brasília, um dos dois cursos oferecidos na modalidade integrada com o ensino médio, o de agropecuária, não tem uma concorrência grande. Cerca de quatro candidatos disputam cada vaga. Mas a formação atrai jovens de outros Estados, como Goiás, Minas Gerais e Bahia. Quem não tem condições de se manter pode disputar uma vaga na casa do estudante local, onde receberá alojamento e alimentação.
Os 550 alunos da instituição são atendidos por 68 professores. Desse total, 27 são mestres e sete, doutores. A maioria deles só atua na escola e pode desenvolver projetos de pesquisa e extensão. O salário mínimo inicial é de R$ 2,1 mil. Os alunos também contam com psicólogo, assistente social, médico e dentista para atendê-los. Podem fazer aulas de dança, teatro, música. “O que precisamos hoje é divulgar melhor a rede. Todos os semestres sobram vagas aqui”, afirma Ângela.
Os amigos Italo Daniel da Silva, 16, Ellen Cristina Gomes, 16, Geyse Luiza Fernandes, 16, Bruno dos Santos, 16, Helinton Soares, 16, Marcelo Ricardo da Silva, 16, e Laércio Mendes, 17, escolheram fazer o ensino médio junto com o ensino técnico em agropecuária por causa das possibilidades de mercado. Alguns pensam em cuidar dos negócios da família, que é produtora rural. É o caso de Marcelo, que saiu da Bahia para estudar em Brasília.
“Acho que vamos sair à frente dos outros. A gente amplia muito nossa visão aqui e os professores são muito capacitados”, afirma o estudante do 2º ano do ensino médio. Para os jovens, a experiência prática desenvolvida desde o começo do curso favorece a compreensão, inclusive, de conteúdos teóricos do ensino médio, que talvez não fariam sentido se restritos às explicações em sala de aula.
Italo conta que dificilmente um professor falta às aulas e isso, para ele, é fundamental. “Às vezes, temos aulas até domingo”, conta. “Acho que sairemos à frente na faculdade também”, completa.
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