Entidades temem mudança nas políticas que garantem a frequência de alunos deficientes em escolas regulares e protestam na internet
O futuro educacional das crianças e dos adolescentes com deficiências preocupa organizações da sociedade civil. Elas temem modificações nas políticas de educação inclusiva que hoje orientam o Brasil. O receio de especialistas e pessoas que militam em defesa dos deficientes se baseia no relatório final do Plano Nacional de Educação (PNE) e no decreto presidencial nº 7611, publicado há quase um mês.
O relatório final do documento que define as estratégias educacionais para o País na próxima década propõe “universalizar, para a população de 4 a 17 anos, o atendimento escolar aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, preferencialmente, na rede regular de ensino, garantindo o atendimento educacional especializado em classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou comunitários, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível sua integração nas classes comuns”.
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A palavra “preferencialmente”, segundo as entidades, abre espaço para que crianças possam ser matriculadas somente em escolas especializadas, o que vai contra as políticas educacionais atuais. Hoje, os estudantes com algum tipo de deficiência devem frequentar escolas comuns e receber atendimento especializado no turno contrário ao das aulas, de preferência no próprio colégio. Se não for possível, instituições especializadas podem atendê-los.
“O texto do PNE é muito grave, porque é uma lei e contraria expressamente a Convenção da Organização das Nações Unidas ratificada pelo Brasil com força de emenda constitucional (Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – ONU/2006, ratificada pelos Decretos nº 186/2008 e nº 6.949/2009). Apenas o atendimento especializado pode ocorrer fora da rede regular”, ressalta Eugênia Gonzaga, procuradora da República em São Paulo.
“O texto do PNE é muito grave, porque é uma lei e contraria expressamente a Convenção da Organização das Nações Unidas ratificada pelo Brasil com força de emenda constitucional (Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – ONU/2006, ratificada pelos Decretos nº 186/2008 e nº 6.949/2009). Apenas o atendimento especializado pode ocorrer fora da rede regular”, ressalta Eugênia Gonzaga, procuradora da República em São Paulo.
Para Eugênia, se a redação do plano não for alterada no Congresso, as políticas para o ensino especial sofrerão um retrocesso. Ela conta que o Ministério Público de São Paulo já foi procurado por parlamentares para pedir auxílio técnico na elaboração de emendas que modificam essa meta. Por outro lado, o MPF em São Paulo vai apresentar uma recomendação de mudança em outro documento oficial que pode dar força ao texto do PNE.
É o Decreto 7.611, que orienta a educação especial, assinado pela presidenta Dilma Rousseff junto com o lançamento do Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, o Viver sem Limites. Esse documento revoga o anterior (Decreto 6.571, de 2008) e, segundo Eugênia, deixa dúvidas sobre como as crianças com deficiência devem ser atendidas na rede escolar – o que pode reforçar as propostas novas do PNE.
Protestos
Organizações e associações em defesa dos deficientes, como a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, protestam pela internet desde que os dois documentos foram divulgados. Há convocações para que as pessoas enviem mensagens de repúdio aos ministros da Educação, da Casa Civil e da Secretaria de Direitos Humanos e um manifesto foi criado para pedir que a Convenção da ONU seja cumprida.
Claudia Grabois, da Rede Inclusiva, Direitos Humanos Brasil, Portal Inclusão Já!, afirma que a rede quer garantias de que as políticas de educação inclusiva não serão modificadas, apesar da ambiguidade do decreto. “A Convenção é clara: a obrigação do Estado é oferecer ensino inclusivo. As pessoas com deficiência precisam ter independência e autonomia asseguradas e a eliminação da discriminação. Não há como pensar nisso sem passar pela escola”, diz.
Na opinião da especialista, as famílias das crianças com deficiência precisam reconhecer que a educação inclusiva como um direito e lutar por ele. “Às vezes, é mais fácil falar que vai existir preconceito na escola em vez de quebrar barreiras”, diz.
Na opinião da especialista, as famílias das crianças com deficiência precisam reconhecer que a educação inclusiva como um direito e lutar por ele. “Às vezes, é mais fácil falar que vai existir preconceito na escola em vez de quebrar barreiras”, diz.
Na avaliação de Claudia Werneck, coordenadora da Escola de Gente – Comunicação em Inclusão, muitas famílias ainda são “alvo de manipulação financeira e partidária”. “As famílias de crianças com deficiência são muito solitárias ainda, porque essas crianças não são vistas como solução pela comunidade e sim como problema. O direito à educação inclusiva é da criança e não da família”, ressalta.
Ao iG, o ministro da Educação, Fernando Haddad, garantiu que as políticas de inclusão do MEC não serão alteradas. Para ele, ao contrário, o novo decreto beneficiará as crianças com deficiências que ainda não estão na escola. “Vamos fazer a busca ativa”, diz. Ele explica que o decreto autoriza, por exemplo, que o MEC compre veículos escolares para municípios a fim de promover a inclusão de quem está fora da escola por não ter como chegar ao colégio.
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“O decreto incorporou os termos da Convenção e compatibiliza textos de decretos anteriores, deixando claro que vamos fomentar a dupla matrícula, que garante às crianças com deficiência um turno em classe regular e outro em atendimento especializado, o que permite oferecer à criança com deficiência o melhor ambiente para seu desenvolvimento”, comenta.
Viver sem Limites
De acordo com o MEC, o Viver sem Limites consolida ações que já eram executadas pelo MEC: criação de salas de recursos multifuncionais nas escolas; adequação arquitetônica de escolas; busca de crianças com deficiência que estão fora da escola (BPC na Escola); formação de professores e intérpretes da Língua Brasileira de Sinais. O plano vai permitir também a compra de transporte escolar acessível; formação profissional das pessoas com deficiência (pelo Pronatec e a criação de cargos de professores de Libras nas instituições federais.
A secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do MEC, Cláudia Dutra, afirmou ao iG que o objetivo é eliminar as barreiras para incluir as pessoas que deveriam, mas estão fora da escola. Segundo ela, entre os 435.298 brasileiros de 0 a 18 anos que têm deficiências e recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) – concedido a idosos e deficientes com dificuldade para se sustentar – 206.281 (47%) não estudam.
A secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do MEC, Cláudia Dutra, afirmou ao iG que o objetivo é eliminar as barreiras para incluir as pessoas que deveriam, mas estão fora da escola. Segundo ela, entre os 435.298 brasileiros de 0 a 18 anos que têm deficiências e recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) – concedido a idosos e deficientes com dificuldade para se sustentar – 206.281 (47%) não estudam.
A justificativa de 52% deles é a própria deficiência. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 45 milhões de brasileiros possuem alguma deficiência. “Por isso, o BPC na escola objetiva, nas três esferas de governo, identificar e eliminar as barreiras e promover a inclusão escolar dessa população”, diz a secretária. A meta é fazer com que, em quatro anos, pelo menos 378 mil crianças estejam frequentando a escola.
A secretária conta que o MEC já transferiu R$ 81 milhões para custear ações como reformas nas escolas (em 11.047 prédios) e adquirir recursos para as salas multifuncionais. Até 2014, o governo investirá R$ 7,5 bilhões no plano todo.
A secretária conta que o MEC já transferiu R$ 81 milhões para custear ações como reformas nas escolas (em 11.047 prédios) e adquirir recursos para as salas multifuncionais. Até 2014, o governo investirá R$ 7,5 bilhões no plano todo.
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