Escolas com projetos interdisciplinares que acompanham visita a ambientes estudados comemoram resultados
Foto: Edu Cesar/Fotoarena
Monitora brinca com alunos visitantes durante ordenha de vaca
Uma teta da vaca propositalmente entortada fez o esguicho de leite dar um banho nos alunos que assistiam a uma ordenha pela primeira vez na vida. A maior parte da turma gritou e riu, mas o caçula do maternal, Enrico Dapuzzo Vinhas, de 2 anos, abriu o berreiro. A professora o acudiu no colo. “É por ali que o filhinho dela mama”, disse, aproveitando a atenção que ganhou para emendar uma pergunta. “Que tipo de animal é a vaca, então?” O beicinho de choro se desfez: “mamífo”.
Foto: Edu Cesar/Fotoarena Ampliar
Aos 2 anos, Enrico se assustou, mas identificou que a vaca é um "mamífo"
A resposta surpreendeu os curiosos ao redor, mas era a esperada pelos profissionais da escola infantil Carminho, de Santos, no litoral paulista. Foi exatamente para ver o aprendizado de um ano inteiro ganhar exemplos concretos em um estudo de campo que eles viajaram com os estudantes para Cotia, na Grande São Paulo, e visitaram a Cia dos Bichos, na última terça-feira.
Também chamado de estudo do meio, a prática de incluir excursões que contextualizam os projetos escolares é considerada cada vez mais eficaz pelos docentes e gestores. “O passeio fora do ambiente a que estão acostumados gera uma experiência marcante e eles aprendem muito mais”, afirma a coordenadora pedagógica da instituição, Denise Smolka.
Foto: Edu Cesar/Fotoarena Ampliar
Airam com um pintinho na mão pela primeira vez: "Achei que era filhote de cisne"
A professora de Enrico, Telma Santana Pontes, que desenvolveu com a turma um projeto sobre o nascimento de mamíferos, aves e répteis, aproveita o menino ainda no colo para mostrar alguns resultados. “As aves vem de onde?”, “Do ovo”, “E você?” O pequeno junta as duas mãos em direção ao umbigo. “Da barriga da mamãe.”
As turmas dos maiores também fizeram o passeio com objetivos pedagógicos, embora todas as crianças quisessem mesmo era ter contato com os animais. Alimentar um cavalo ou acariciar um filhote causava euforia nos alunos. “Ele é tão lindo. Achei que era filhote de cisne”, comentou Airam dos Santos, de 6 anos, com um pintinho nas mãos.
A coordenadora conta que faz as excursões há anos e a reação é cada vez melhor. “Antigamente, era comum as crianças conhecerem uma fazenda com os pais durante as férias, mas hoje em dia eles conhecem mais a Disney do que os animais.”
Ensino médio
Em escolas acostumadas aos resultados das visitas, a importância dos estudos de campo só aumenta conforme as séries avançam. No Colégio Equipe, em São Paulo, todas as turmas de todas as sérias têm pelo menos um passeio para um projeto interdisciplinar. A viagem é obrigatória e o custo dividido durante o ano. “Para o nosso currículo, é essencial”, diz a diretora Luciana Sevorini.
Foto: Arquivo pessoal
Laís, de azul, em plantação de cana-de-açúcar em Ribeirão Preto
“
Em relação aos cortadores, não somos mais alienados, mas ainda há muito no mundo a conhecer"
Em agosto, alunos do 1º ano do ensino médio passaram três dias em Ribeirão Preto, depois de analisar todas as implicações da cultura da cana-de-açúcar em biologia, física, química, geografia, história do Brasil e filosofia durante o semestre anterior. Na cidade do interior de São Paulo, visitaram uma usina e trabalhadores rurais.
Depois, com os dados na mão e as cenas na memória aprofundaram os conteúdos por mais três meses. Na semana passada, uma atividade de socialização marcou o encerramento do projeto e a frase mais comum nos depoimentos era “essa viagem mudou minha vida”.
A estudante Laís Ferreira Martins, 15 anos, diz que o mais impressionante foram as questões filosóficas levantadas após a visita aos cortadores de cana. “No caso de biologia e outras matérias, a gente aprendeu mais e viu na prática o que já tinha uma ideia, mas foi depois com as discussões de filosofia que a nossa visão de mundo mudou completamente”, comenta.
Os estudantes entrevistaram em duplas os trabalhadores rurais que vivem em alojamentos. Por um lado, acharam as condições de vida ruins, por outro encontraram pessoas que conseguiam atingir suas metas e pareciam felizes. “No final do dia, o professor perguntou: o que difere a gente dos trabalhadores? A gente demorou semanas para responder”, conta Laís.
Trabalhado o tema em sala de aula, ela hoje conclui o seguinte: “O que difere é a alienação. A gente é capaz de visualizar o trabalho deles no produto da cana e eles mesmos não se enxergam como parte do processo. Por outro lado, nós aqui na cidade costumamos ser alienados em relação à existência de pessoas diferentes de nós. Em relação aos cortadores, não somos mais alienados, mas ainda há muito no mundo a conhecer.”
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