quinta-feira, 10 de março de 2011

9 respostas sobre o diagnóstico do TDAH em crianças

Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade ou simples falta de limites? Especialistas esclarecem como ter certeza do diagnóstico

Renata Losso, especial para o iG São Paulo

 

Foto: Getty Images Ampliar
TDAH: diagnóstico preciso deve eliminar outras possibilidades e acompanhar a vida em família

Embora seja muito discutido atualmente, o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade, mais conhecido como TDAH, ainda levanta dúvidas. Como saber se seu filho tem ou não o problema? E, acima de tudo, como saber se ele foi diagnosticado corretamente?

Ainda não há consenso científico sobre qual a incidência do problema na população. Estudos norte-americanos apontam que a prevalência do TDAH nos Estados Unidos varia de 8 a 12%. Pesquisas do resto do mundo sugerem prevalência de 5,8 a 11,2%. Na pior das hipóteses, em uma sala com 30 alunos, 3 seriam portadores do problema.

Para definir de uma vez por todas se seu filho é um deles – ou para descartar de vez o rótulo de hiperativo – perguntamos a especialistas como o TDAH pode ser diagnosticado e o que você precisa saber para seu filho viver melhor, seja ele apenas naturalmente desatento ou de fato portador do transtorno.

1. O transtorno existe mesmo?
Sim. A pergunta pode parecer absurda, mas muitas correntes defendem que ele não passa de desatenção natural das crianças ou de reflexo da falta de imposição de limites por alguns pais.
O TDAH é diagnosticado por observação clínica e não existe exame fisiológico para comprovar a existência do problema. “O diagnóstico é puro e simplesmente clínico”, diz Fábio Barbirato, autor do livro “A Mente do Seu Filho” (Editora Agir) e chefe de Psiquiatria Infanto-Juvenil da Santa Casa, no Rio de Janeiro. Um bom diagnóstico do TDAH, portanto, exige uma avaliação clínica cuidadosa.

Para Maria Aparecida Affonso Moysés, pediatra e professora do Departamento de Pediatria da Unicamp, em Campinas, o TDAH ainda é questionado justamente por não ter comprovação médica. “Existem pessoas mais agitadas e mais calmas, umas mais atentas e outras menos. Isso não se discute. A discussão é se isso é um problema neurológico ou não”. Segundo ela, se o TDAH é uma doença capaz de afetar o comportamento a partir de uma alteração neurológica, este comportamento deve estar presente o tempo inteiro. “Então se o adolescente joga videogame muito bem, o que mostra que ele presta atenção, isso não anula o fato de ele não prestar atenção numa aula? Biologicamente, não é assim que funcionaria”, afirma.

2. Como o TDAH pode ser diagnosticado?
De acordo com Cacilda Amorim, psicoterapeuta comportamental e diretora do Instituto Paulista de Déficit de Atenção (IPDA), em São Paulo, a avaliação clínica começa com uma análise detalhada da história da criança. É importante observar a intensidade dos problemas apresentados, desde quando estes problemas existem e fazer uma análise de antecedentes familiares. Analisar estes quesitos permite que o especialista levante hipóteses sobre hereditariedade, fatores de risco, dificuldades da criança, níveis de exigência na escola, entre outros aspectos. “Dependendo do caso, a análise pode ser suficiente”, afirma a psicoterapeuta.

Mas, para assegurar-se do TDAH, é preciso eliminar outras hipóteses com a ajuda de exames médicos e psicológicos. “Uma criança que não consegue ser alfabetizada, por exemplo, pode simplesmente estar com problemas de visão e os pais não sabem. Então, os exames pedidos dependerão de cada caso também”, diz. “Não existe um check list aplicável a todos os casos”.

O médico precisa conhecer a fundo as doenças com características e sintomas parecidos aos do transtorno. No caso das crianças, o profissional também deve ter conhecimento sobre o desenvolvimento infantil. “Ansiedade, depressão, autismo, retardo mental, dislexia, transtornos de aprendizagem, doenças metabólicas, diabetes: existem várias patologias médicas – não somente psiquiátricas – que coincidem com as características do TDAH, então o médico deve estar muito bem preparado”, diz Fábio.

3. Quais são os sintomas?
Há 18 comportamentos típicos ligados ao TDAH (veja questionário elaborado pela Associação Brasileira do Déficit de Atenção). Nove deles são relacionadas à desatenção e nove, à hiperatividade e impulsividade. “Se você tem seis das características ligadas à desatenção, você é predominantemente desatento; se tem seis características ligadas à hiperatividade e impulsividade, você é predominantemente deste outro grupo. Se tem seis características dos dois grupos, é um TDAH tipo combinado”, explica Fábio Barbirato.

De acordo com a neurologista infantil Tatiana Freire Barbosa, especialista em TDAH e doutoranda no Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, o primeiro grupo é de crianças e adultos que se esquecem de tudo, perdem os objetos, deixam tudo pra última hora, costumam não terminar os objetivos. Já o segundo é de crianças muito agitadas, que se intrometem nos assuntos, falam antes do outro terminar de falar, não têm paciência para esperar, não conseguem ficar sentadas por muito tempo em sala de aula.

Para Cacilda Amorim, psicoterapeuta comportamental e diretora do Instituto Paulista de Déficit de Atenção (IPDA), os principais sinais são perda da concentração com facilidade; lentidão para realizar as tarefas, por se distrair com maior frequência; desorganização; dificuldade para ficar quieto e para esperar a própria vez e explosões emocionais – especialmente quando contrariadas. Até certo ponto, estas características são comuns a todo mundo, especialmente crianças menores. Mas a intensidade com que elas acontecem, em comparação a outras crianças de idade similar, é o fiel da balança do diagnóstico.

4. Por que o TDAH parece ter virado “moda”?
Vivemos em uma era em que a capacidade de atenção de crianças e adultos é constantemente desafiada pelo mundo ao redor. E muitas crianças são rotuladas – e até medicadas – sem necessidade. “O medicamento melhora a atenção e aumenta o foco, então os pais acabam passando a bola para o remédio e o médico faz o mesmo”, conta Fábio Barbirato. Por isso é preciso medir a educação dada pelos pais aos filhos antes de diagnosticá-los com o transtorno.

A médica psiquiatra Karine Giorgetti Romano não acredita em um “superdiagnóstico” no país. “Pelo contrário: como o subtipo desatento é o mais difícil de diagnosticar, muitas crianças não são tratadas”, afirma. Como o TDAH é um transtorno cada vez mais estudado, Karine credita a aparente “moda” ao aumento de profissionais capacitados para diagnosticar o transtorno. E o problema acaba sendo mais comentado em casa e nas escolas.

5. Como as crianças que tinham TDAH antes mesmo do problema ser estudado sobreviveram ao transtorno e alcançaram sucesso?
“O TDAH em si não determina o sucesso que alguém pode ter”, diz a neurologista infantil e especialista em TDAH Tatiana Freire Barbosa. Segundo ela, pessoas resilientes – capazes de se sobrepor às dificuldades da vida – conseguirão superar os obstáculos do transtorno ao longo dos anos. “Não necessariamente quem tem TDAH se dará mal na escola. O transtorno não é culpado por sucesso ou fracasso”, completa.

Segundo Fábio Barbirato, algumas pessoas, embora muito inteligentes, são incapazes de alcançar seus próprios objetivos por culpa de um TDAH não tratado. “O transtorno causa um prejuízo importante na vida de um paciente”, afirma. Para ele, o mesmo acontecia décadas atrás, quando jovens com TDAH acabavam marginalizados, direta ou indiretamente.

6. Com que outros problemas o TDAH pode ser confundido?
Uma criança que toma medicamento com corticóide e uma criança diabética não controlada, por exemplo, podem apresentar sintomas parecidos aos do TDAH. “Não dá para dizer que uma criança é mal educada ou não tem limites por causa do TDAH”, diz Fábio Barbirato. Cacilda Amorim, do Instituto Paulista de Déficit de Atenção, concorda. Problemas de ordem emocional ou comportamental, dislexia, transtornos específicos de aprendizagem e dificuldades da família em colocar limites e regras dentro de casa podem se confundir com os sintomas apresentados por uma criança portadora de TDAH.

Por isso é tão importante o conhecimento detalhado do especialista a respeito do dia-a-dia da criança. Só assim é possível saber quais são os prejuízos reais do transtorno e o que pode ser creditado ao funcionamento da família. “Em alguns casos, tudo se confunde. Mas geralmente a entrevista clínica e o acompanhamento nos ajudam a ir limpando o meio de campo e descobrindo o que é o quê”, conta a médica psiquiatra Karine Giorgetti Romano.

7. Se seu filho foi diagnosticado com TDAH, como certificar-se do diagnóstico?
É imprescindível visitar um profissional especialista no assunto. Pode ser um psicólogo, psiquiatra ou médico. Para saber se ele realmente é especialista no transtorno, observe qual a formação do profissional e se ele está ligado a alguma instituição. É interessante também procurar o currículo do médico no site do CNPq, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. “No CNPq é possível se assegurar da formação daquele profissional”, diz Fábio (clique aqui para ver o site).

No caso das crianças, o especialista deve ser um neuropediatra, um psiquiatra infantil ou um pediatra. Uma vez diagnosticado o problema, buscar uma segunda opinião dos professores também é essencial.
A pediatra Maria Aparecida Affonso Moysés ressalta a importância dos pais enxergarem a criança, e não o possível problema. “É preciso escutar o que o filho tem a dizer. Ele não está dizendo algo que não conseguimos escutar?”, diz. Pais e professores devem tentar entender o contexto e os conflitos daquela criança, minimizando as chances de aceitar passivamente um diagnóstico equivocado.
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A família também precisa de acompanhamento para lidar com a criança portadora de TDAH

8. Todos os casos precisam de medicamentos ou é possível aprender a conviver com o transtorno sem o uso de remédios?
Os especialistas divergem. Para a psiquiatra Karine Giorgetti Romano, o remédio é essencial. O medicamento mais conhecido em uso atualmente é o metilfenidato, estimulante presente na Ritalina. “O uso de medicamentos costuma ser a primeira escolha, mas muitas vezes também é necessário utilizar algumas estratégias cognitvo-comportamentais para ajudar a criança a estruturar melhor o dia dela, por exemplo”, explica. “Mas é o lado coadjuvante do tratamento”.

Segundo a neurologista infantil Tatiana Freire Barbosa, nem todos os casos exigem o uso de medicamentos, mas são exceções. Quem tem baixos índices de distração e agitação, por exemplo, pode desenvolver ferramentas para resolver o problema somente com uma terapia cognitivo-comportamental. A família também pode precisar de acompanhamento para aprender a lidar com as dificuldades.

Fábio Barbirato defende o fim do preconceito em relação ao tratamento medicamentoso para o TDAH. “É como tratamento para hipertensão ou diabetes. Com o TDAH, pode ser que você tenha que se tratar com medicamentos durante a vida inteira, mas também pode ser que não. Depende de cada caso”, afirma.

Por outro lado, para a psicoterapeuta Cacilda Amorim, é possível conviver sem os medicamentos, sim. Mas isso só pode acontecer se todas as circunstâncias ao redor da criança forem favoráveis. “Para uma criança portadora do transtorno, desenvolver hábitos é essencial para tornar o dia-a-dia mais fácil, e os pais deverão ajudá-la a construir um ambiente onde isso é possível”, diz ela. Ter um horário e um local para fazer a lição de casa regularmente, desde pequenas, é um exemplo. “Regularidade é essencial”. No entanto, implementar uma rotina de bons hábitos pode ser bem difícil com as crianças menores com TDAH: “Os pais já lutam para que os filhos desenvolvam bons hábitos sem o TDAH; com o transtorno, é ainda mais difícil e todo mundo sabe”, alerta Cacilda.

Por isso, ela considera essencial o tratamento incluir atividades para o desenvolvimento de competências, como a terapia cognitiva comportamental e atividades de reforço escolar. “Com estas competências apenas já é possível minimizar os prejuízos do TDAH”, diz. Como o efeito dos remédios para o transtorno costuma durar apenas algumas horas, o ideal é usá-los para um alívio de curto prazo das dificuldades.

Segundo a pediatra Maria Aparecida Affonso Moysés, no entanto, o remédio utilizado para o tratamento do TDAH é banalizado. Um levantamento do Instituto Brasileiro de Defesa dos Usuários de Medicamentos constatou que em 2000 foram vendidas no Brasil 71 mil caixas de remédios com metilfenidato (Ritalina e Concerta). Em 2008, as vendas pularam para quase 1,2 milhão - um aumento de 1.616%. “O remédio é um psicotrópico com muitas reações adversas”, afirma.

9. A criança portadora de TDAH precisa se tratar a vida inteira?
De acordo com a neurologista infantil Tatiane Barbosa, o TDAH é um problema genético e não tem cura. “Mas, com o tempo, a pessoa aprende a se organizar de maneira a poder ficar sem medicamento por algum tempo – curto ou longo, depende muito da pessoa”, diz. Como se trata de um problema crônico, o tratamento funciona de forma parecida ao tratamento para hipertensão ou diabetes, por exemplo.

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