segunda-feira, 25 de abril de 2011

Cientistas buscam a fonte da coragem
Série de estudos acadêmicos tenta desvendar como a coragem se manifesta no corpo
The New York Times - IG
Em seus 20 anos como bombeiro e paramédico de Colorado Springs, no Colorado, Bruce Monson, de 43 anos, teve algumas danças com a morte: telhados em chamas caindo sobre ele, fumaças tóxicas quase o sufocando.
Porém, pior do que qualquer risco pessoal é o que Monson chama de "chamadas de crianças com problemas", como a de uma mãe que havia colocado o filho de 18 meses no berço, ao lado de uma janela com persianas e uma velha corda.
"O bebê havia agarrado a corda e a enrolado em volta do pescoço, e a mãe o encontrou daquele jeito", contou Monson. "Fui o primeiro a chegar na porta. Em pânico, ela jogou a criança em minhas mãos, gritando: 'Por favor, salve meu filho!'"
O corpo do bebê estava azul, mas Monson e seus companheiros enfrentaram o desespero da mãe com foco profissional - e fizeram o melhor que podiam.
"Trabalhamos sobre ele por mais de uma hora", disse Monson. "É como um estado de calma. Você fica tão sintonizado no que está fazendo que nem pensa sobre a realidade da situação".
Mas o melhor deles não foi o bastante, e mais tarde, no hospital, estabeleceu-se a terrível tristeza. Enquanto Monson preenchia seu relatório, a mãe ninava o filho morto na chamada "cadeira de balanço do luto", balbuciando as últimas despedidas. Seus familiares apenas olhavam, lamentando a cena.
A imagem daquela mãe na cadeira de balanço vem à mente de Monson toda vez que ele atende uma chamada de "criança com problemas", estimulando-o a seguir em frente, a nunca desistir ou ficar negligente e cínico, a simplesmente fazer seu trabalho; e fazendo seu trabalho, ele salvou muito mais vidas do que perdeu.
Apenas uma única vez ele permitiu que a imagem da cadeira o assustasse - quando sua própria esposa estava no mesmo hospital, sendo submetida a uma cirurgia de emergência para uma gravidez ectópica rompida, e sua filhinha casualmente subiu na cadeira do luto.
"Mesmo sabendo que era algo completamente irracional de se fazer", disse ele, "eu fiz ela descer daquela cadeira".
A coragem é algo que queremos para nós em grandes quantidades, e veneramos nos outros sem restrições. Mesmo assim, em toda a eterna centralidade da coragem em qualquer narrativa padrão da grandeza humana, só recentemente os pesquisadores começaram a estudá-la sistematicamente, tentando definir o que é e o que não é, de onde ela vem, como se manifesta no corpo e no cérebro, com que animais a compartilhamos e por que a amamos tanto.
Um novo relato na revista "Current Biology" descreve o caso de uma mulher cuja rara síndrome congênita a deixou completa sem medo, levantando uma grande pergunta: seria melhor vencer os próprios medos ou nunca tê-los sentido?
Em outro recente estudo, neurocientistas examinaram os cérebros de pessoas enquanto elas lutavam, com sucesso, para vencer seu medo de cobras, identificando regiões do cérebro que podem ser a chave para nosso heroísmo cotidiano.
Pesquisadores da Holanda estão estudando a coragem em crianças, para descobrir quando ela surge pela primeira vez  - e o que as crianças querem dizer quando chamam a si mesmas de valentes.
O tema da coragem evoca uma longa e dourada descendência. Platão incluiu a coragem entre as quatro virtudes cardinais ou principais, ao lado de sabedoria, justiça e moderação.
"Como uma virtude essencial, a coragem ajuda a definir a pessoa excelente e não é um mero traço opcional", escreve George Kateb, teórico político e professor emérito da Universidade de Princeton. "Uma das piores reprovações do mundo é ser chamado de covarde".
Porém, definir o que significa "ser corajoso" tem se mostrado tão difícil quanto diferenciar sábios de tolos. Para Platão e muitos outros entendidos, a coragem é acima de tudo uma arte marcial, demonstrada de forma mais imediata no campo de batalha - o ícone do bravo soldado, entrando na linha de tiro para salvar um companheiro ferido.
Mas Kateb aponta que, se a coragem encontra sua maior expressão na guerra, então o traço paradoxalmente se torna uma virtude imoral, enobrecendo a carnificina ao sustentar que apenas na batalha os homens - e geralmente são homens - podem descobrir a profundidade de sua nobreza.
Marilynne Robinson, romancista e crítica social, observou que a coragem "depende da definição cultural" e "é raramente demonstrada, exceto onde existe consenso suficiente para apoiá-la". Onde o martírio religioso é admirado, haverá mártires; onde o protesto social ou político é visto como uma guerra civil gloriosa, haverá uma erupção de manifestantes e palanques improvisados em toda esquina.
Em trabalhos pioneiros a partir da década de 1970, Stanley J. Rachman, da Universidade da Columbia Britânica, e outros, estudaram a fisiologia e o comportamento de soldados paraquedistas enquanto eles se preparavam para seu primeiro salto.
O trabalho revelou três grupos básicos: os excepcionalmente destemidos, que raramente exibiam sinais como coração acelerado, mãos transpirando, picos de pressão alta e outras reações associadas ao medo comum, e que saltavam sem hesitação; os "espremedores de mãos", cuja poderosa reação de medo os impedia de saltar no momento crítico; e, finalmente, os que reagiam fisiologicamente como o segundo grupo, mas que agiam como os valentes saltadores _ e pulavam pela escotilha.
Este último grupo foi considerado corajoso por Rachman, definindo a coragem como uma "abordagem comportamental apesar da experiência do medo". Segundo essa ampla definição, a coragem se torna democratizada e desmilitarizada, propriedade de qualquer pacifista que consegue fazer o discurso da convenção, ou do estudante que resolve se inscrever para uma aula de cálculo.
Conduzindo entrevistas com cerca de 320 crianças entre 8 e 13 anos, Peter Muris, da Universidade Erasmus de Rotterdam, e colegas, descobriram que as crianças também comparam a coragem com a conquista dos próprios medos, e mais de 70 por cento dos respondentes alegaram ter executado um ou mais atos de bravura em suas vidas, incluindo resgatar o irmão mais novo que havia caído na piscina, salvar um gato numa árvore, voltar para casa de bicicleta à noite e roubar dinheiro da bolsa da mãe _ sim, isso certamente faz seu coração disparar.
Joel Berger, biólogo da Sociedade de Conservação da Vida Selvagem e da Universidade de Montana, também distingue entre animais que agem com bravura por falta de experiência - como pássaros alheios ao ser humano que pousam na borda de uma xícara para dar um gole - e aqueles que conhecem o perigo e, mesmo assim, prosseguem para enfrentá-lo.
Ele citou a ocasião em que ele e seus colegas imobilizaram um jovem bisão para coletar amostras de sangue e, quando retornaram, um bisão macho adulto montava guarda ao lado dele, recusando-se a deixar que os cientistas se aproximassem.
"Ele sabia que podia ser atacado por nós, e não havia um parentesco envolvido", afirmou Berger. "A coragem pode ser uma construção humana, mas eu chamaria isso de um ato corajoso, até mesmo heróico".
Buscando capturar a sensação de coragem em tempo real, Yadin Dudai, um neurobiólogo do Instituto de Ciência Weizmann, em Rehovot, Israel, e colegas, examinaram os cérebros de pessoas uma notória fobia de cobras no momento em que eram confrontadas com uma serpente viva, grande, assustadora - e inofensiva.
Deitados no aparelho do teste, os participantes podiam escolher entre permitir que a caixa com a cobra fosse colocada mais perto, ou mantê-la afastada. Conforme relato na revista "Neuron", em junho, aqueles que venceram o medo e apertaram o botão "aproximar cobra" mostraram ativação numa região do cérebro chamada de córtex cingulado anterior subgenual.
Localizado na parte frontal do cérebro, a estrutura já foi relacionada à depressão e, estranhamente, ao comportamento altruísta, podendo também ajudar a negociação entre emoção e percepção, impulso e ponderação.
O pequeno grupo de neurônios reconhece o temor interno, mas age rapidamente para estancar esse poder amedrontador. E faz isso basicamente reduzindo a atividade da amígdala cerebelosa, há tempos conhecida como o reduto central do medo no cérebro.
Para os grandes covardes entre nós, a necessidade crônica de vencer o medo pode se tornar tediosa. Por que não simplesmente "pular" a alvorada do cingulado anterior e amordaçar de vez a reação medrosa do cérebro? A história de S.M., uma mulher de 44 anos cuja rara doença genética destruiu seletivamente o par de amígdalas cerebelosas, mostra a nítida desvantagem de uma vida sem medo.
Conforme descrito em "Current Biology" por Justin Feinstein, um neuropsicólogo da Universidade do Iowa, e colegas, a aparentemente normal S.M. é incapaz de se assustar.
Ela alega ter medo de cobras e aranhas, e talvez tivesse, em sua infância pré-doença. Porém, quando a levaram a uma loja de animais exóticos, os pesquisadores ficaram estarrecidos; em vez de evitar as cobras e aranhas, ela ficou desesperada para segurá-las.
Os pesquisadores levaram S.M. a uma famosa casa mal-assombrada; ela riu nas partes assustadoras, e alegremente fez os funcionários fantasiados de monstros pularem. Fizeram-na assistir a filmes de suspense e terror, como "O Silêncio dos Inocentes" e "Halloween", e ela não demonstrou absolutamente nenhum sobressalto.
Essa ausência de medo pode parecer boa na segurança de sua casa, mas S.M. acaba criando seus próprios filmes de terror na vida real. Ela caminha sozinha por bairros perigosos à noite, aborda estranhos suspeitos sem nenhuma malícia, e já foi repetidamente ameaçada pela morte.
"Ela é alguém que fica o tempo todo se colocando no caminho do desastre", disse Feinstein. "Se tivéssemos um milhão de S.M.'s andando por aí, o mundo seria uma completa confusão".
As chamadas preocupantes continuariam chegando, e as cadeiras de balanço nunca estariam vazias.

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