O DNA do alcoolismo dos jovens
Mais do que genética, o exemplo familiar é crucial para desencadear a dependência em crianças e adolescentes
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Não são as chamadas “más companhias”, os mais velhos da escola ou os primos de segundo grau. A principal ponte entre o álcool e os adolescentes são os pais. Mais do que genes ruins ligados ao alcoolismo, o exemplo é a herança familiar mais importante para culminar em um consumo problemático de bebidas alcoólicas pelas crianças.
As pesquisas nacionais e internacionais já confirmaram o peso da influência da família neste processo. Três em cada dez adolescentes que admitiram consumir algum produto etílico apontaram a própria casa como local da experimentação, atestou pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que traçou o perfil de consumo de bebidas alcoólicas por adolescentes no Brasil.
O índice de 31% encontrado nesta parte do estudo é mais do que o dobro do segundo lugar no ranking de responsáveis pela oferta de álcool: “os amigos” dos jovens pesquisados somaram 15%. Não são conclusões solitárias no meio científico. A última edição dos Cadernos de Saúde Pública, publicada no início do mês, traz dados inéditos de 11 anos de acompanhamento de todas as 4.452 crianças que nasceram em 1993 na cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul.
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No recorte sobre o uso de álcool, os pesquisadores ligados a três universidades detectaram que 17,5% daquela população já havia usado álcool, sendo 5% antes dos 9 anos. Renda familiar, escolaridade, repetência de ano, cor da pele, necessidade de trabalhar fora de casa não influenciaram estatisticamente neste uso precoce.
A prevalência foi maior em três situações. Em primeiro lugar, adolescentes de mães beberam durante a gravidez mostraram risco 60% de consumir álcool. Em segundo, filhos de pais consumidores de álcool (ambos) tiveram risco aumentado em 42%. E por último, crianças que naquela faixa etária já haviam experimentado cigarro pontuaram 2,7 vezes mais na escala de uso de álcool.
Conclusões como estas conduziram os especialistas a pesquisar como os pais deve apresentar o álcool aos seus filhos, sendo esta uma das estratégias, inclusive, para prevenir dependências futuras.
Manual para crianças
“Os educadores têm um bordão que cai como luva para a questão do álcool e outras drogas. Antes do seu filho escutar seus conselhos, ele enxerga o que você faz”, afirma o psiquiatra Sérgio de Paula Ramos, especialista em dependência química da Associação Brasileira de Psicanálise, da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre e da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas.
Saiba mais
Não é apenas o uso nocivo dos adultos que pode ser decisivo para a criança, acreditam os especialistas. A embriaguez constante dos adultos, as doses exageradas antes de dirigir ou a agressividade potencializada pela bebida são consideradas um exemplo tão ruim como o hábito de beber uma taça de vinho ou um copo de uísque, por exemplo, após um dia de trabalho intenso, depois de uma briga ou em uma situação de frustração. A mensagem de que o álcool conforta e faz companhia pode ser igualmente perigosa.
Carlos Salgado, presidente da Associação Brasileira de Estudos para Álcool e Outras Drogas (Abead), acrescenta que mesmo em situações em que o álcool é consumido de maneira harmoniosa – em datas comemorativas ou reuniões familiares – é função dos pais apresentarem a bebida como um componente exclusivo do universo dos adultos. “De forma muito parecida como as questões do dirigir automóveis, pornografia ou sexo são tratadas”, compara o especialista.
Dartiu Xavier, especialista em dependência química pela Unifesp e autor do manual “Como falar de drogas com o seu filho” da Associação Paulista de Medicina – avalia que as informações sobre o que é, o que causa, que gosto tem o álcool devem ser passadas às crianças na medida em que as perguntas surgem, independentemente da idade. “Claro que é diferente falar com alguém de seis anos e com um jovem de 15, mas a disposição em esclarecer e interagir sempre deve ser presente”, afirma.
Cérebros em formação
Lidar com esta curiosidade infantil tem como um dos desafios a imaturidade do cérebro. Segundo o psiquiatra Sérgio de Paula Ramos, até os 23 anos de idade o cérebro ainda não está completamente “maduro”. “A primeira região que fica pronta é a do impulso, uma das explicações para os adolescentes serem tão impulsivos”, explica. A última, chamada de córtex frontal, é responsável pelo discernimento.”
Estas constatações da neurociência fazem com que Ramos e o presidente da Abead tenham convicção que o álcool só deve ser consumido ou experimentado após os 18 anos, idade definida pela lei brasileira como mínima para o consumo (em alguns estados norte-americanos só é permitido beber após os 21 anos). “Temos indícios fortes o suficiente para afirmar que quanto mais cedo o contato com o álcool, maior o risco da dependência se instalar, independentemente da influência genética”, diz Carlos Salgado.
Por conta disso, Salgado e Ramos são categóricos: quando os filhos pedem para experimentar um pouco da bebida alcoólica dos pais e resposta deve ser sempre não.
Já Dartiu Xavier acredita que a oferta de um golinho, no copo do adulto responsável, pode ser uma forma de “aplacar a curiosidade sem maiores danos”, desde que o comportamento desta criança ou adolescente com a bebida seja constantemente acompanhado. “Pedir um gole sempre que vê os adultos bebendo, apresentar sinais de embriaguez ou consumir álcool diariamente são sinais que não podem ser ignorados”, complementa.
O Centro de Informação sobre o Álcool (Cisa) em seu manual sobre “como falar de álcool com seus filhos” afirma: “alguns pais acham melhor oferecer um pouco de bebida alcoólica ao filho durante um jantar em família ou em ocasiões especiais (com o intuito de evitar que o filho beba escondido). Qualquer que seja a sua decisão, o abuso de álcool não deve ser tolerado em circunstância alguma. Isto se aplica ao seu filho e a você.”
Sérgio de Paula Ramos avalia que o momento de falar de bebidas com a criança pode ser uma excelente oportunidade de perguntar ao próximo o que ele pensa sobre seu próprio hábito de beber. “É a ferramenta mais eficiente para saber se há um comportamento nocivo. Pergunte à sua mulher ou marido, ou ao irmão o que ele acha sobre o seu padrão de consumo e questione se você já provocou constrangimentos ou não. Será um termômetro das mensagens que têm sido passadas ao seu filho.”
Sérgio de Paula Ramos avalia que o momento de falar de bebidas com a criança pode ser uma excelente oportunidade de perguntar ao próximo o que ele pensa sobre seu próprio hábito de beber. “É a ferramenta mais eficiente para saber se há um comportamento nocivo. Pergunte à sua mulher ou marido, ou ao irmão o que ele acha sobre o seu padrão de consumo e questione se você já provocou constrangimentos ou não. Será um termômetro das mensagens que têm sido passadas ao seu filho.”
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